sexta-feira, 24 de abril de 2009

Hotel São Domingos - parte 1Meu prestigio em São Januário estava em baixa. Sem contrato e brigado com o treinador, o horizonte tinha as cores do meu time.
O primeiro interessado em me levar por empréstimo foi o Santa Cruz, mas quem teve a preferência foi o Sport do Recife, que sempre teve um ótimo relacionamento com o Vasco.
O secretário do clube pernambucano, Celso Rodrigues, mediou as negociações dos interessados. Fiz apenas uma exigência contratual, prontamente atendida: queria morar no Hotel São Domingos, onde eu já me hospedara com o Vasco.
Desembarquei no Aeroporto de Guararapes, acompanhado do centroavante gaúcho Tonel, do América carioca, que também acertara a sua transferência para o time do leão da ilha. Quem nos recebeu foi o presidente, José Rozenblit, e o diretor Murilo Paraíso. Minha elegância, trajando calça e paletó pretos, e uma camiseta branca de gola alta, quase derreteram ali mesmo, na pista do aeroporto, sob um calor de 40 graus.
Fomos conduzidos até o hotel que eu indicara.
O Hotel São Domingos fica na praça Maciel Pinheiro, no final da rua do Hospício, entre as ruas Imperatriz e Velha, do bairro Boa Vista. Rodeada de casarões e palacetes, a praça fica estrategicamente situada, próxima dos Correios, da Faculdade de Direito, da Ponte da Boa Vista, e tem como destaque a Igreja do Santíssimo Sacramento (a Matriz da Boa Vista), que data do século XIX.
Quem praticamente se hospedou junto comigo, foi a delegação da Seleção Brasileira, trazendo o técnico-jornalista João Saldanha e suas feras para realizar uma partida amistosa contra a Seleção Pernambucana, preparativa para as eliminatórias da Copa do Mundo, no México. Por algumas horas, pude rever Brito, meu colega de Vasco, e compartilhar a presença dos meus ídolos: Pelé, Gerson, Carlos Alberto Torres, Edu e tantos outros. Os canarinhos venceram com facilidade a seleção local: 5 a 1.
O hotel recebia com freqüência nomes destacados da vida social e literária da cidade, estrangeiros, artistas do rádio, da música, do teatro e da TV, e a turma da jovem e velha guarda.
Todos os eventos importantes do Recife aconteciam naquele hotel e, com certeza, o Quinteto São Domingos era o ponto alto, que atraía todos os hóspedes ao seu restaurante. Os integrantes do conjunto eram: Milton, diretor; Leonardo e Edvaldo, soberanos com seus violinos; Silvio, um mestre do violoncelo; e o pianista, José Gomes, o Sam do filme "Casablanca". O clima noir faria Humphrey Bogart e Ingrid Bergman se sentirem em casa!
O ambiente pedia, e os freqüentadores se vestiam formalmente. Os músicos (a maioria!) tocavam na Orquestra Sinfônica do Recife, e iam do clássico ao popular com maestria.
O treinador do Sport, Eli do Amparo, também residia com sua esposa no hotel e costumávamos fazer juntos as refeições, ouvindo belas canções italianas.
No dia dos namorados, sentei-me orgulhoso na mesa do casal que transbordava felicidade e cumplicidade de muitos anos de companheirismo. Sentia-me muito bem, e tê-los como companhia era um privilégio. De repente, fomos interrompidos pelo office-boy do hotel, trazendo um buquê de flores. De cara, imaginei que era um presente do Ely para a esposa.
A surpresa veio quando a entrega foi feita pra mim. Fiquei sem graça, ouvindo as costumeiras insinuações que sempre acontecem nestas ocasiões: "Aí, Valdir! Mal chegou e já está arrebentando corações!".
Li o cartão discretamente e o guardei longe da curiosidade dos meus amigos.
Assinado por duas iniciais, eu não tinha como identificar a procedência. Conversei então com meu amigo de Olinda, o doutor Múcio, dentista do Sport. Mostrei-lhe o cartão. O doutor caiu na risada: "Valdir! O cartão é de uma bicha famosa do Recife!". O doutor fez questão de contar só pra família; em compensação, pegava no meu pé o tempo inteiro.
Nos arredores, contrastando com a predominante presença da alta sociedade no hotel, uma outra classe, sem privilégios, buscava nos botecos um copo de aguardente e um tira-gosto passado. A sofisticação se restringia apenas a alguns lugares de luz vermelha, onde vitrolas de fichas pagas rodavam (ininterruptamente!) músicas de Roberto Carlos e Armando Manzanero, extraídas das pequenas bolachas de 33 rotações, que davam um pouco de vida aos semblantes tristes e nostálgicos de prostitutas e clientes.
Hoje, o Recife Antigo está totalmente recuperado, e seu patrimônio restaurado. É o point noturno de pernambucanos e turistas do mundo inteiro, que se encantam com seus bares e restaurantes de comidinhas típicas e ruas repletas de apresentações ao vivo do folclore e da música nordestina.
(Sport, 1969).
Foto 1
Murilo Paraíso e José Rozenblit recebem Tonel e Valdir no Aeroporto Guararapes

6 comentários:

Adalberto Day disse...

Valdir
O Galã catarinense balançava os corações. Muito boa sua descrição, e junto com o casal Ali do Amparo, gente boa. Mas Valdir a curiosidade me aflora neste instante: fosse conhecer o Bichinha? Hahahah Valeu Valdir.
Abraços Adalberto Day cientista social em Blumenau

Airton Leitão disse...

Gostei de saber que Valdir jogou no Sport. É que sou pernambucano, torcedor Sport. Mesmo sendo rubro-negro de origem, sou torcedor do Vasco por causa de um conterrâneo que muito me orgulhava, Ademir Menezes. Como vim para o Rio em 1950, resolvi torcer pelo clube onde ele jogava.

Valdir Appel disse...

Airton,
Minha passagem por Recife foi rapida e inesquecivel. Tenho um diploma que a diretoria me presenteou que guardo com muito orgulho. O Sport, acredito, gostou do atleta e profissional, muito mais do que do jogador, que pouco jogou. Apos conhecer Natal, o nordeste passou a ser parte importante da minha vida.
Amigos, povo, cultura. Tudo!

Valdir Appel disse...

Valdir,

Na verdade vc desceu em Recife com uma camisa não de gola alta, mas GOLA ROLÊ.(é o novo!!!!!!!!!!)

Nunca esqueci uma vez o Jair Rodrigues cantando com a Elis Regina num programa de TV qualquer, ele, o negão, usando uma indisfarçável blusa com GOLA ROLÊ.

Minha mãe achou o máximo, e logo na outra semana estávamos os 4 mosqueitros - eu, meus 2 irmãos e um primo irmão que morava conosco, usando vistosas camisas com GOLA ROLÊ, compradas na Malharia Cacique, que ficava no comércio da SQS 105 em BSB, bem em frente a uma tapeçaria que pertencia ao irmão do Buglê, grande jogador e seu companheiro de Vascão.

Rapaz, tenho saudade até do que não viví.

Esses seus textos retratam em muito uma época em que as pessoas se respeitavam mais, e um mundo sem tanta maldade e malícia.

Pbns.

Antº Estevam

Iata Anderson disse...

Fala, Valdir

O Blog está cada velhor. Mato saudade todas as semanas. Agora estive vendo o Bonsucesso que vc jogou e te digo que fiz, com esse time, uma das viagens mais sensacionais da minha vida. Foi em 77, com Ze da Gama, grande empresário e amigo.Ficamos um mes por lá e do seu tempo foram Nilson, Nilo, Marco Antonio Tardelli, o goleiro era o Pedrinho, tinha Wilson, Naldo, um pontinha maluco, baixinho, Dario Lourenço, foi técnico do Vasco e o Abedi, que salvei de morrer afogado, em La Coruña. Muito engraçado ele. Vou te mandar uma foto dessa viagem.

Grande abraço
Iata

Alexandre Milton disse...

Sou neto do violinista e diretor do conjunto Violinos do Recife, Milton Rodrigues, que, infelizmente, nos deixou, no dia 31 de janeiro deste ano.
Muito bom saber que você guardou boas recordações desse grupo e fala deles com tanto respeito.
Desse conjunto, ainda estão vivos os irmãos Leonardo e Edinho Peretti e o pianista Zé Gomes.
Parabéns pelo post. Fiquei muito feliz em tê-lo lido, inclusive, porque também sou torcedor do Sport Club do Recife.
Abraço.