terça-feira, 24 de agosto de 2010

A trajetória de uma camisa

Eu era um aficionado da cor negra. Quando cheguei ao Sport os outros goleiros usavam o cinza em todo o uniforme de jogo. Não lembro se encomendaram quando quis o meu todo preto, ou se o clube já tinha e ninguém usava. Na poucas vezes em que eu tive a oportunidade de jogar, ou vestir a camisa leonina, usei o preto.

Fiquei tão fascinado pela camisa com o leão bordado no peito, que ao me despedir da Ilha do Retiro, reduto rubro-negro, eu fiz questão de levá-la comigo.

Poderia ter sido apenas mais uma das camisas que eu vesti, mas não foi bem assim. Guardei-a pra sempre entre os objetos do meu acervo, que preserva uma flâmula autografada pelo Yashim Aranha Negra, autógrafos de jogadores vascaínos dos anos 60, fotos e recortes de jornais.

E assim 40 anos se passaram.

Aposentado da bola, escritor de horas vagas, muitas vezes fiz referencia ao Recife, descrevendo minha passagem por lá, aos amigos que deixei. Jamais poderia imaginar que um dia seria lembrado pelos conterras, como eu costumo chamar carinhosamente os pernambucanos, para escrever a orelha do livro O clássico dos clássicos. Seus autores me emocionaram quando fizeram o convite. Um orgulho que muitos gostariam de ter.

Ao receber o irrecusável convite, veio o questionamento, a duvida, o que escrever sobre o meu Sport? O que este catarinense poderia dizer do fundo do coração a respeito de um clube centenário, vitorioso, que tem uma nação de fanáticos torcedores. Tudo me parecia muito vago muito vulgar.

Aí lembrei da camisa. Guardada no fundo do baú. Ela seria a minha referencia para dizer da importância do Sport na minha vida de jogador profissional de futebol.

Primeiro eu a dobrei com o carinho que ela merecia. Pedi-lhe perdão pelos maus tratos. Os punhos surrados e o preto descolorido revelavam o seu uso e o passar do tempo. Segurei-a com carinho, abracei-a, não pude vesti-la, porque meu corpo já não cabe dentro dela. Dobrei-a então como se dobra uma camisa nova, alisei-a para tirar suas rugas. Escovei o leão amarelo, para destacar o vermelho do Sport. Levei-a até o meu scanner e a digitalizei até ficar nova, restaurada, em condições de jogo.

A foto da camisa seguiu junto com o meu texto para a orelha do livro. E para minha surpresa, texto e camisa ficaram juntos no corpo da orelha.

No dia 17 de julho, o livro foi lançado no Recife às 16 horas. Por obra do destino, ou dos correios, retirei o meu exemplar autografado pelo Carlos Cordeiro e Roberto Vieira, da minha caixa postal praticamente naquele instante. Falta o autografo do Lucídio que eu vou buscar pessoalmente.

Bom, esta historia poderia ter acabado por aí. O que mais poderia acontecer?

No dia seguinte recebi um e-mail de Kelli Jahn, Gerente de Marketing do Sport:

Olá Valdir, tudo bem?

Saudações Rubro-negras!

Vi uma foto pequena de uma camisa linda usada por ti no ano de 1969 no Sport.

Gostaria muito de fazer uma nova versão dela, mais fiel possível, lançando como linha retro.

Como faço para obter mais fotos da peça? É possível?

Te agradeço muito pela atenção.

Obrigada,

Fiquei olhando para o texto, incrédulo. Inacreditável, o ciclo da camisa não terminara.

Aguardo o momento de vê-la restaurada, num tecido novo, para fazer companhia a original.

(2009)


2 comentários:

Adalberto Day disse...

Valdir
Bela postagem, bela camisa essa do SPORT, parece novinha em folha.
Tua fascinação pela camisa negra tem sua razão e já relatasse outro dia, devido ao Aranha Negra Yashin da seleção Russa. Uma raridade, de dar inveja a qualquer colecionador deste nosso Brasil varonil.
Parabéns Chiquinho
Adalberto Day cientista social e pesquisador da história de Blumenau

Felipe disse...

É impressionante mesmo como fatos permanecem vivos nas mentes das pessoas e por isso jamais morrem. Eu não era nascido na época em que o senhor jogou no meu SPORT, mas fico feliz em saber que, mesmo tão longe, o SPORT continua fazendo parte de sua vida.
Parabéns pela bela camisa negra que é mais bela ainda por conta o imortal escudo do LEÃO DA ILHA DO RETIRO.
Parabéns por sua vida.