sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Desde criancinha
Ademir, ao chegar no Fluminense, em março de 1946, deixando para trás o Vasco, garantiu que era tricolor desde sempre. Jurou fidelidade eterna. E revelou: “Lá em Recife, jogava com um casquete tricolor na cabeça".
Essas e outras revelações de Ademir fui encontrar em velhos exemplares de O Globo Sportivo. Tem até uma história em quadrinhos, contando como se deu a passagem de Ademir do Vasco para o Fluminense. Vou procurar resumir o que na HQ se encontra escrito ao lado das figurinhas caprichosamente desenhadas:
Quando o Sport Clube do Recife veio ao Rio, trouxe um jogador chamado Ademir. O Sport treinou em General Severiano, campo cedido pelo Botafogo. O clube alvinegro porém não quis saber de Ademir. Vasco e Fluminense é que ficaram com os olhos em cima dele. Ondino Viera, na ocasião treinador do Fluminense, não saia do hotel onde estava hospedado a delegação do Sport. Tinha as suas conversas com Ademir. Ademir animava-o dizendo que sempre fora Fluminense. Foi numa dessas conversas que confessou a história do uso da boina tricolor no Recife. Tricolor verde, grená e branca, claro... Nada de preto, vermelho e branco, cores do rival do Arruda.
Mas o Sport continuou sua excursão. Do Rio para Belo Horizonte, de BH para São Paulo, Curitiba, Porto Alegre. Teve uma porção de vitórias, dinheiro é que não teve. Em Porto Alegre viu-se ameaçado de não poder voltar. Foi aí que o jornalista Canor Simões Coelho se lembrou de Ciro Aranha, presidente do Vasco, de quem era amigo. Surgiu a proposta para o Sport: se Ademir fosse para o Vasco, o Vasco pagaria as passagens da delegação de volta para o Recife. Negócio feito, Passou-se um telegrama para Ciro Aranha. O presidente do Vasco mandou o dinheiro para Porto Alegre, quando a delegação do Sport chegou estava com acomodações reservadas em São Januário. Aí começou a luta entre o Vasco e o Fluminense. Para encurtar a conversa, Ciro Aranha foi logo dizendo ao “seu” Menezes, apelidado de Muriçoca pela aparência física, pai de Ademir, que dava dez contos a mais que o Fluminense. E à vista... E foi assim que Ademir ficou no Vasco, e o Sport teve, depois de quase três meses ao Deus dará, como trazer seus jogadores de volta ao Recife. Quase a metade do time ficou por lá, com o passe dos jogadores cedidos aos clubes cariocas.
Curiosa história essa, mas ainda o detalhe do casquete tricolor... Lembro de fotos do Queixada jogando aqui em Pernambuco, ainda bem jovem, pelo Sport. Tinha sim, um boné na cabeça, desses de confecção caseira. Se era tricolor, não sei. Só os daquele tempo, e lá se vão sessenta e tantos anos, poderão dizer. Melhor ainda quem com ele bateu bola nas areias da praia do Pina. Ademir foi artilheiro também em Pernambuco, se bem que com reduzido número de gols, 11 apenas, no ano de 41. Pelo segundo ano participava do certame pernambucano de profissionais, tinha 19 anos, recém-saído dos juvenis. Tem muito site por aí informando errado. Ademir foi campeão pelo Sport apenas em 1941. Antes, campeão somente pelos juvenis. Chegou ao time de cima em 1940, tinha 17 anos na ocasião, mas nesse ano o título ficou com o Santa Cruz.
Palavra dele, Ademir, confirmando suas preferências pelas cores tricolores do Fluminense, ainda pescada em “O Globo Sportivo”, um pouco antes da publicação da HQ, quando da sua transferência no mês de março para o Fluminense: “Estou contente. Sempre tive a maior simpatia pelo Fluminense, desde os meus tempos de garoto em Pernambuco.” A transferência tinha sido um pedido do também pernambucano Gentil Cardoso, técnico do time das Laranjeiras As palavras de Gentil a gente conhece: “Dêem-me Ademir e eu darei o campeonato”. Estas, palavras proféticas.
Assim se conta a história da transferência de Ademir para o Vasco e, depois, sua ida, matando o desejo que vinha do tempo da infância, para o Fluminense. Mas os tempos já eram de profissionalismo. E Ademir terminou voltando ao Vasco, dois anos depois. Atrás de mais dinheiro e de mais glórias. No primeiro caso, seguia de olhos fechados a orientação do pai. Atrás da fama, teve a recompensa que merecia: foi campeão três vezes mais, em São Januário, invicto em 49, bi em 50, outra vez campeão em 52. E duas vezes artilheiro, em 49 e 50, com 31 e 25 gols respectivamente, coisa que não conseguiu ser nas Laranjeiras. Dele, escreveu o mestre Armando Nogueira, abrindo uma crônica antológica escrita nos anos 80, logo após seu encantamento: “Se o futebol me quisesse dar um presente, bastava que me desse um domingo inteirinho só de gols de Ademir Menezes.”
Na mesma crônica, o fecho que vale por um pedido de desculpa: “Se eu soubesse que um dia o futebol dele ia se acabar, eu teria pedido a Deus que me emprestasse um par de olhos cruz-de-malta só para que eu pudesse ver, à luz do amor, todos os gols que Ademir fazia contra mim”. O cronista sempre foi de torcer pelo Botafogo. Quanto a mim, fã de Ademir e torcedor do Fluminense na juventude, tive meus tempos de alegria plena exatamente no supercampeonato de 1946. E o que ele a todos nós costumava presentear com a camisa da Seleção, quaisquer que fossem nossas preferências clubistas: 35 gols em 41 jogos, de janeiro de 45 a março de 53. Desde o Sul-Americano de Santiago, de Tesourinha, Zizinho, Heleno, Jair e Ademir, ao Sul-Americano de Lima, o de triste memória para o futebol brasileiro.


Por LUCÍDIO JOSÉ DE OLIVEIRA
lucidio@jsinet.com.br

Um comentário:

Adalberto Day disse...

Valdir Texto magnifico este do LUCÍDIO JOSÉ DE OLIVEIRA que você nos compartilha em seu blog.
Que nada, o Ademir sempre foi vascaíno e falou só por falar. O Romário fez isso com o Flamengo, com o Vasco e na verdade torce pelo América. Dor de cotovelo de tricolor
Adalberto Day cientista social e pesquisador da história em Blumenau