Jornal de Santa Catarina 05/11/2011 N° 12406
HISTÓRIAS REAIS DA BOLA
Um drible na história
Imagens, são raras. Relatos, poucos. Mas o Santa reconstrói o dia em que Mané Garrincha jogou em Blumenau.
Pelé e Garrincha, ícones do futebol brasileiro, pisaram em gramados blumenauenses. A passagem do Rei, em 30 de agosto de 1961, é conhecida e documentada. Pelé, já um popstar, jogou pelo Santos em um amistoso contra o Olímpico, então o principal clube da cidade. Marcou quatro gols – há quem fale em cinco – e deu show. O próprio Santa já contou essa história.
A vinda de Mané Garrincha, o anjo das pernas tortas, foi bem diferente. Por um capricho, ou quem sabe pela falta dele, é tão apagada quanto o triste fim de carreira de um dos maiores gênios que o futebol já produziu.
Os registros são poucos (não há fotos, ao menos públicas) e um roteiro só é possível baseado nos relatos de quem esteve lá. Também era um dia 30, como quando Pelé esteve por aqui, no mês de agosto. E de 1969. O ponta que imortalizou as camisas 7 do Botafogo e da Seleção vivia a derrocada de uma carreira tão brilhante, quanto tumultuada. Garrincha, então atuando pelo Flamengo, aventurava-se pelo país nas folgas rubro-negras jogando por cachês que lhe aliviavam a situação financeira caótica.
E foi assim que Mané vestiu a camisa grená do Grêmio Esportivo Olímpico, em troca de parte da renda da partida, para a abertura do Torneio Vera Fischer – homenagem à musa blumenauense que naquele ano havia se tornado Miss Brasil. O jogo era contra o Caxias, de Joinville. Além deles, Palmeiras (o arquirrival do Olímpico), Carlos Renaux e Paysandu, de Brusque, também participaram.
O antigo Estádio da Baixada, claro, estava lotado. Vera Fischer, toda paramentada de miss, até deu o pontapé inicial do jogo, mas todos queriam mesmo era ver “A alegria do povo”, um dos tantos apelidos de Garrincha. Absolutamente fora de forma, ele atuou o jogo inteiro, e as opiniões sobre a performance se dividem.
– Garrincha pouco participou, em lances isolados e sem brilhantismo. O principal foi cobrar uma falta no fim do jogo, na qual a bola bateu na trave defendida pelo goleiro caxiense. Mesmo assim, conseguiu arrancar aplausos dos blumenauenses, que reconheceram todo o talento do ex-grande atleta – diz o relato do radialista blumenauense Edemar Annuseck, um dos poucos que conversou com ele naquele dia.
– Conversamos na sacada do Hotel Glória, na Rua 7 de Setembro, foi uma entrevista para a Rádio Nereu (Ramos) e o extinto Jornal Cidade de Blumenau. Ele falou de tudo, carreira, de futebol em geral, da vida conturbada – conta Annuseck, que fez carreira como um dos principais radialistas esportivos do país e hoje atua no canal a cabo SporTV no interior de São Paulo.
rodrigo.braga@santa.com.br
RODRIGO BRAGA
O MITO DAS PERNAS TORTAS
- Manuel Francisco dos Santos, o Mané Garrincha, nasceu no distrito de Pau Grande, em Magé (RJ), em 18 de outubro de 1933. O apelido Garrincha veio de um tipo de pássaro, comum na região serrana do Rio.
- Na maior parte da carreira defendeu o Botafogo (entre 1953 e 1965), onde disputou 614 partidas e marcou 245 gols. Também jogou pelo Corinthians, Flamengo, Vasco (apenas uma partida), Olaria (onde encerrou a carreira) e Atlético Júnior, da Colômbia. No total, atuou em 716 partidas oficiais, marcando 283 gols.
- Brilhou na Seleção Brasileira entre 1957 e 1966, com 61 partidas e 17 gols. Foi um dos heróis da conquista da Copa de 1958, na Suécia, e, principalmente, do bicampeonato no Chile, em 1962, quando após a contusão de Pelé foi o principal jogador. Mané teve uma única derrota pela Seleção, contra a Hungria, no fiasco brasileiro na Copa de 1966, na Inglaterra.
- Notabilizou-se pelos dribles desconcertantes, apesar do fato de ter as pernas tortas. Para muitos, é considerado o maior driblador da história do futebol. A carreira foi marcada por vários percalços fora de campo, principalmente por causa do vício em bebida alcóolicas.
- Pobre e muito longe do brilho do auge da carreira, o anjo das pernas tortas (título de um poema dedicado a ele por Vinícius de Moraes) morreu no dia 20 de janeiro de 1983, aos 49 anos, no Rio de Janeiro, por complicações da cirrose.
Estádio da Baixada do G,E. Olímpico 1963
Você estava lá?
Tem fotos ou alguma lembrança do dia em que Garrincha esteve em Blumenau? Entre em contato pelo e-mail leitor@santa.com.br ou para mim familiaday@terra.com.br
“O marcador teve que suar”
Tarcísio Torres, hoje com 66 anos, estava em campo. Ironicamente, era o eficiente ponta-direita do time blumenauense desde 1967, mas naquele jogo, claro, foi deslocado para o meio-campo.
– Não dava para competir – admite, aos risos.
E lá do meio-campo, Tarcísio viu uma atuação discreta do craque, mas que ainda assim não deixou de ter alguns bons momentos.
– Ele estava fora de forma, mas não deixou de fazer umas graças para a torcida. Teve a bola na trave também, na falta. Dá para dizer que o marcador dele, o Luizinho, teve que suar – conta.
Segundo ele, Mané Garrincha conversou pouco com os demais jogadores, apenas coisas de jogo, no vestiário. Chegou no dia, combinou posicionamento em campo e fez a parte dele. No fim, passou pelo churrasco de confraternização, na antiga churrasqueira do clube, e saiu.
– Foi curtir a noite, pelo menos foi o que nos disseram na época – relembra.
Registros da partida acabaram perdidos
O jogo que abriu o Torneio Vera Fischer naquele sábado à noite no Estádio da Baixada, na Alameda Rio Branco, terminou em 1 a 1. E encerram aí as informações sobre o episódio. Garrincha, dizem, atuaria também nas demais partidas, o que não se confirmou. Já o destino do simpático troféu com nome de Miss Brasil é desconhecido. Entre os clubes participantes, só o Caxias ainda atua. E por lá, ninguém sabe dele.
Infelizmente, o troféu não foi a única perda daquele dia para a história do futebol blumenauense. Passados 42 anos, não há registros, a não ser relatos, do craque das pernas tortas com a camisa do Olímpico. No clube, se algum dia houve fotos, foram perdidas.
– Não temos mais. Antigamente, a sede ficava na parte de baixo do clube, e muita coisa se perdeu com as enchentes – conta o atual presidente do Olímpico, Braulino Pontes.
O Cientista social e pesquisador da história Adalberto Day, que conhece a fundo o futebol blumenauense, confirma: se algum dia essa imagem esteve em algum arquivo, se perdeu.
– Já procurei por todos os lugares possíveis, conversei com quem esteve lá. Se alguém tem fotos daquele dia, nunca contou para ninguém – disse.
Tarcísio Torres lembra que fotos chegaram a ser feitas:
– Houve fotos, eu mesmo tinha algumas, mas não sei aonde foram parar. Uma pena.
OPINIÃO: Lição de Mané
Eu, ainda jovem, fui assistir ao jogo com meu amigo Reinoldo Fuenfstueck, num sábado à noite. Naquele dia, Garrincha, já em final de carreira, nos proporcionou alguns momentos de alegria.
Nossa expectativa era que ele jogasse um bom futebol, apesar de já veterano, porém isso não ocorreu. O pouco que fez foi bater uma falta no final do jogo, e a bola bater na trave. Garrincha mesmo assim conseguiu arrancar aplausos do estádio lotado.
Lembro bem de um lance específico. Já no decorrer do segundo tempo, o Olímpico em ofensiva pelo lado esquerdo da arquibancada, a bola é desviada e vai até próximo ao alambrado onde eu e meu amigo estávamos. Com um dos pés, empurrei a bola ao Garrincha que veio buscá-la, e disse a ele:
– É aí, Mané, vai jogar melhor?
Ele nada respondeu, apenas me deu um sorriso e um olhar. Para mim, foi uma lição. Pelo olhar, percebi o sentimento dele no momento, ou seja: ele deve ter imaginado “cobrar de mim, que tanto já fiz pelo nosso futebol? Campeão pelo Botafogo, Seleção Brasileira, melhor ponteiro direito do mundo...”
Jogando bem ou mal, quem esteve no Grêmio Esportivo Olímpico naquele dia teve o privilégio de ver Garrincha jogar com a camisa grená. Infelizmente, o registro desse dia acabou perdido pelo clube.
Arquivo: Edemar Annuseck e ADALBERTO DAY, Cientista Social e pesquisador da história
Fonte: http://www.adalbertoday.blogspot.com/
3 comentários:
Grande Valdir, amigo Chiquinho
Você nos mata de emoção. Essa é uma bela postagem que em meu blog rendeu comentários até o Grande Zico.
Obrigado amigo. O nosso Garrincha merece todo nosso carinho.
Abraços e obrigado
Adalberto Day cientista social e pesquisador da história
Grande Chiquinho,
Gostei daquela da cervejaria do teu avô. Pena que não existe mais (rsrsrsrsrs). Nesse jogo do Garrincha em Blumenau, o GE Olimpico jogou todo de branco e o Caxias com a camisa alvi-negra.
Forte abraço e parabéns pela publicação
Edemar Annuseck
SPORTV - SP
Golaço, Mestre!!!!!
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