quinta-feira, 11 de junho de 2009

As chagas de Marinho
Por Roberto Vieira

No hospital a noite é longa. Sobra tempo pra voltar no tempo, vasculhar na memória os fatos mais distantes. Silêncio no corredor. Esqueceram o remédio da meia-noite. Quem sabe dá pra dormir um pouco sem o sedativo?
O velho campo dos Aflitos. Tudo era novidade pra quem vinha de Natal. Chegou no Náutico desconhecido. Cabelos louros. Cara de menino. Futebol de craque. Um repórter tascou precipitado:
“Chegou o amigo de Petinha! Será que joga alguma coisa esse rapaz?”
Primeiro treino. Bola presa entre os pés pela lateral. Cruzando o campo inesperadamente. Os companheiros observam o doido. A bomba sai violenta, letal, no ângulo: Reservas 1 x 0.
O Recife ficou pequeno em poucos meses. Fenômeno. Agnaldo Timóteo viu o menino jogando em Recife. Ligou pro Botafogo:
"Comprem! Urgente!"
Chegou no Rio com a mesma cara de menino.
"Domingo tu entra contra o Rei!"
Antes de o jogo começar, Pelé falou pra os companheiros:
"A mina é o Galego!"
Na primeira bola, Marinho se antecipa ao Rei e mete-lhe um chapéu. Como Garrincha nas canetas de Nilton Santos. Só que agora, Nilton Santos é Marinho. E Marinho é a alma do velho Garrincha. Infernizando os santistas. Impressionando o mundo. Desempregando os zagueiros que lhe fazem cobertura.
É convocado para a Seleção. Um holandês entre os brasileiros no Mundial de 74. Leão lhe desfere um soco depois do gol polonês.
“Irresponsável!”
Leão que falhara no primeiro gol holandês de Neeskens. Sem socos.
Amigos. Violão. Birita. Acorda no meio da madrugada. Sem saber onde está. Aos poucos recorda dos amigos de aluguel, das meninas, das noitadas. Os alemães sonham em levá-lo. Paul Breitner diz não!
"Gênio na esquerda aqui basta eu"
Marinho passeia entre os astros. No Cosmos. Aos poucos vai caindo na terra.
“Hepatite C, Marinho. Alcoolismo. Ou você deixa a bebida ou nada podemos fazer por você.”
Mas como se a bebida é o último refúgio para as pernas que desobedecem ao drible? Como se apenas a bebida traz o Maracanã lotado? A defesa da Colômbia fechada. O chute que sai em curva, por sobre o arqueiro?
O copo sobre a mesa observa o antigo craque imaginando outro tempo.
Riachuelo.
Petinha morreu, Marinho.
Cadê o Arthur, o Dirceuzinho, o Jair, o Krol?
Quarenta e cinco minutos do segundo tempo.
0 x 0.
A vida encara o lateral esquerdo. Bola nos pés. Rente a lateral.
A vida faz que vai e vem. O lateral estático observa. Sua filha reza.
Marinho agora é o último homem.
Um drible pode ser fatal...

Abra o link e assista o vídeo:http://globoesporte.globo.com/Esportes/Noticias/Esporte_Espetacular/0,,MUL1186020-16321,00.html

7 comentários:

Adalberto Day disse...

Valdir
As Chagas de Marinho, um titulo que nos mostra colocando o seu sobrenome a frente do nome, a dura realidade de um craque. Roberto Vieira foi muito feliz no titulo e no texto. Pena que Marinho e tantos outros craques, ou não, ou qualquer cidadão, cheguem a este ponto. Temos aqui sim, torcer, fazer uma corrente pra que Marinho Chagas, que driblou e foi driblado por muita gente, consiga com habilidade, sair desta.
Um abraço Valdir e parabéns pela bela postagem.
Adalberto Day Cientista Social e pesquisador da História em Blumenau

Anônimo disse...

Poxa emocionante esse texto sobre o Marinho, meu deus por que que tem que ser assim, nessas horas são muitos os porques da vida, Valdir coincidentemente aquele atleta que comentei no post anterior o Lucio Sábio, faleceu nessa situação, na rua, descalço como sempre gostou e bebendo muito e esquecido, torçamos muito que o Marinho possa dar a volta por cima, e continue sendo lembrado pelo bom atleta que foi! parabéns Valdir pela lembrança de um craque aqui da terrinha, valeu, Genildo Oliveira /Mossoró Rn

Valdir Appel disse...

Valeu pelo sempre oportuno Comentário, Adalberto.

Genildo, imfelizmente recebo noticias ruins sobre craques do passado com bastante frequencia. A maioria padece do mesmo mal: a hepatite C.
Vamos rezar pela Bruxa.

Everlado Lopez disse...

Amigão Valdir, saúde. Não precisa dizer que estou sempre lendo o que
você coloca na internet. Esta homenagem a Marinho Chagas é válida,
inclusive a publicação do artigo sobre o Lourão. Coloquei alguns
trechos na minha coluna, tão logo vi no blog do Juca Kfouri, e que
você faz o mesmo, hoje, na íntegra.........Por hoje é só, prossiga divulgando o nosso Vasco, agora,
então, melhorando sua imagem com a chegada de Dinamite. Abs Everaldo
Lopes.
(Obs. trechos do e-mail do amigo Evereraldo)

Obrigado Everaldo. Considero a leitura da tua coluna obrigatoria para quem gosta do RN como eu, e do futebol é claro. Abração, Valdir

Buda disse...

Fala Valdir!
Descobri seu blog através do meu pai, Zeno Petermann que é um assiduo leitor de suas histórias e como gosto muito de futebol também e sou fã do vasco passei a me divertir com as historias narradas em seu blog.
Sou produtor de televisão e trabalho com videos na internet, com roteirista, ator e diretor no programa humoristico Galo Frito, mas isso não vem ao caso.
o fato é o seguinte, queria te mostrar um video que produzimos para explicar como funciona a malicia argentina a famosa catimba, que tu deves conhecer muito bem, sem mais delongas eis o video, mas ei! espero um comentário seu hein! hehehe
http://www.youtube.com/watch?v=mjUhBDD6tww
Forte abraço!
Buda Petermann
(por e-mail)

Valeu Buda. Vou entrar no blog com certeza, e obrigado pela visita. Abraço no véio vascaino de fé Zeno.

Osvaldo disse...

Caro amigo Valdir;

Aqui está um post que deixa triste todos os apreciadores do futebol e das pessoas que dele fazem ou fizeram parte;

Lembro do Marinho no Botafogo e sempre achei que era alguém de muito futebol mas de pouca resistência aos perigos vindos de fora...

Marinho tinha, além da muita classe para a prática do futebol, muita alegria em jogar e transmitia essa energia ao time. Gostaria de o ter no Vasco mas foi para o Bota. Acredito que tenha sido um bom profissional, mas provávelmente não estaria preparado para todo o sucesso que o futebol aporta.

Espero siceramente que o Marinho consiga se desvencilhar dessa teia que é o álcool e volte a ser o cidadão comum que encantou plateias mas que hoje deve viver de um passado misto de alegrias e tristezas.

Um abraço, Valdir
Osvaldo

Valdir Appel disse...

Osvaldo,
Muito bom o seu cometário. Uma linha muito tÊnue separa o sucesso do fracasso. Poucos sabem suportar o ocaso sa fama.
Parabéns pelo teu blog. É uma delícia navegar pela cultura.
Abraço.