sábado, 24 de outubro de 2009

Um bilhete em branco.
Por Lucídio José de Oliveira
O site de Valdir Appel, roteiro como sempre bem caprichado, costuma nos levar a agradáveis viagens pelo futebol do passado. Na galeria de foto, o mais recente presente: as capas dos três primeiros números de Manchete Esportiva, uma revista que fazia a cabeça dos torcedores nos anos 50. As fotos do “Dr. Rúbis”, da torcida do Mengo, com barrete e toga de doutor, na edição de estréia; Nílton Santos e esposa, dona Abigail, no segundo número.
E uma foto inusitada, de tristes recordações, a de Heleno Freitas, no terceiro número. Um flagrante do grande astro caminhando para sua viagem derradeira na sua irremediável condição de interno em um nosocômio para doentes mentais incuráveis. A foto da capa e a reportagem com o doente famoso causaram, na época, revolta. Recebeu em troco duras críticas. Invadia a privacidade do ex-craque, revelando o estado deplorável a que havia chegado, confinado em um hospício de Barbacena, cidade vizinha à sua pequena São João Nepomuceno, onde nascera, no interior de Minas. Heleno cumpria ali os seus últimos dias de doente terminal. Padecia de Paralisia Geral Progressiva, uma das temíveis complicações neurológicas da sífilis. Não passava de um trapo humano, digno de toda comiseração e piedade humanas. A foto de Heleno na capa da revista, o olhar sem expressão, o cabelo em desalinho, não poderia ter sido diferente, causou-me forte emoção. Heleno era um dos meus craques favoritos. E há bem pouco, não completara ainda dez anos, tinha visto desfilar com sua elegância e insuperável pinta de galã pelo gramado da Ilha, em temporada de amistosos do Vasco da Gama no Recife. Aproveito a oportunidade para lembrar o grande craque em uma outra visão também focada em sua personalidade doentia. Heleno de Freitas como personagem de uma crônica do grande Gabriel García Márquez, o que não é pouca coisa. Matéria tirada de Textos do Caribe, coletânea em três volumes dos escritos de García Márquez no início de sua carreira de jornalista no diário El Universal, de Cartagena. Uma coisa e outra, a capa da Manchete e a crônica, fragmentos do novelo partido de Ariadne sem serventia ou salvação para Heleno. Eis o que escreveu García Márquez: Os dirigentes do Junior, de Barranquila, mais uma vez trouxeram o advogado brasileiro aos campos colombianos, e com isso demonstraram possuir um inteligente conhecimento da psicologia coletiva. Um público que paga para ver um espetáculo de qualidade é, de certa forma, um público sem esperança, ao qual nenhuma atração promete o futuro. No entanto, sendo Heleno o que está na proa, todo torcedor vai ao estádio como quem leva no bolso um bilhete inteiro de loteria. Porque com Heleno, não existe meio termo; ou, pelo menos, o público não quer isso dele. Se se comporta como um charlatão, o público sabe que comprou um bilhete em branco que lhe dá a oportunidade de vaiar. Em nenhum caso uma partida da qual participe Heleno, tem a oportunidade de se transformar num logro, porque vaiar, da mesma maneira como aplaudir, é uma forma coletiva de reconhecer um fato. Vale refletir, nas tardes de derrota, sobre o texto do grande escritor. Vale também para os tempos bicudos de maré baixa.
Foto capa: Heleno chegando ao Hospital em Barbacena (Manchete Esportiva)
Fotos: Tiradas do livro de Marcos Eduardo Neves (Nunca houve um homem como Heleno):

O hospital em Barbacena.
Heleno dando o pontapé inicial de um jogo do Olimpic, de Barbacena, em 1955.
Diz a legenda da foto no livro, que ele era o único a levar o jogo a sério... Reparar que ele está ladeado por dois garotos. Heleno, com o rosto disforme, tentando pegar de primeira como nos bons tempos.

5 comentários:

Adalberto Day disse...

Valdir
Estou arrepiado até agora, do texto por Lucídio José de Oliveira, principalmente sobre o Heleno de Freitas. A Manchete Esportiva creio que possa ter exagerado na privacidade do Heleno, mas o trabalho foi feito e a história julgará.
O Heleno de Freitas, realmente para muitos botafoguenses, foi o maior jogador da história alvinegra, superando o genial Garrincha. Mas talvez não só pelo futebol, mas por tudo que representou Heleno. Sempre ouvia meu pai, contar histórias fantásticas do Heleno, tanto é que logo que casei, meu desejo era colocar o nome de filho homem, Heleno, ou mulher Helena. Claro que não era só pelo Heleno, mas também por uma professora minha do terceiro ano primário de nome Irmã Maria Helena, tal fato não se concretizou, os nomes foram outros. Voltando ao Heleno, sua vida particular de boemia foi muito triste, tanto é que a doença que o levou a morte, fala por si própria. Mas as verdadeiras razões, é que ele foi ídolo do Vasco da Gama também, por uma ou duas temporadas.
1. Heleno de Freitas, 209 gols em 235 jogos, o quarto maior artilheiro do botafogo, só perdendo para Quarentinha, Carvalho Leite e Garrincha, mas superou Jairzinho, Amarildo, Roberto Miranda, Túlio e outros.
2. Jogou no pelo Boca Junior da Argentina, onde passou pouco tempo. Quando voltou ao Brasil, vestiu a camisa do Vasco da Gama onde conquistou seu único título de campeão carioca em 1949. Brigou com o treinador Flávio Costa e foi jogar na Liga Pirata da Colômbia. Em 1951 retornou ao Brasil e assinou com o América carioca. No clube de Campos Sales somente jogou 35 minutos e foi expulso. Foi também, seu primeiro e único jogo no Maracanã. A partida foi contra o São Cristovão e o América perdeu por 3x1. Também passou pelo Fluminense e Santos. Pouca gente sabe mas este grande jogador, era bacharel em Direito, mas nunca atuou. Nasceu em 1920 e faleceu em novembro de 1959.
3. Valdir parabéns, estou muito feliz com essa sua sempre surpreendente postagens.
4. Adalberto Day cientista social e pesquisador da história em Blumenau

Valdir Appel disse...

Beto,
Valioso o teu comentário. Vale como um novo post.
É impressionante como certas histórias, coincidem com momentos importantes da nossa vida.
Grande abraço.

Imperadores Vascainos disse...

Valdir, muito boa tarde!
Fuçando a Internet a procura de fotos do meu time do coração, o Vasco da Gama, para decorar a sede de nossa torcida organizada, Imperadores Vascaínos, na cidade de Jequié – Bahia, tive uma imensa surpresa e felicidade ao encontrar o seu Blog, e mais do que isso, saber que um ex-jogador do meu Vascão nos brinda com suas histórias vividas numa época áurea do futebol. Gostaria de parabenizá-lo pela iniciativa e pelo carinho com que posta suas história.

Aproveito a oportunidade, para saber se você poderia disponibilizar-nos imagens, fotos, posters, digitalizados que você possa ter sobre o Vasco (como algumas que encontrei em seu Blog) para que possamos imprimir e colocá-las expostas em nossa sede. Encontrei algumas imagens no canto direito do seu Blog de formações históricas (pôster) do Vasco, fotos de jogadores (inclusive suas), porém de baixa resolução. Se você tiver as mesma digitalizadas em definição maior e puder nos enviar, ficaremos extremamente gratos em poder divulgar para nossos amigos esse momento da história de nosso Clube. Algumas fotos eu consegui salvar em boa resolução como por exemplo uma com Você e Nado. Outras não pois estão muito pequenas.

Assim, agradeço a vossa colaboração e seguirei me deliciando com suas histórias.

Abraços e Saudações Vascaínas,

Fabian Orrico.

Valdir Appel disse...

Fabian,
Estarei providenciando o teu pedido.
Obrigado pela visita.

Mauro disse...

Heleno foi, provavelmente, o personagem do futebol brasleiro com a maior dimensao tragica na sua vida pessoal. Mais ate' que Garrincha, Veludo, Luis Borracha, ou aqueles que apareceram recentemente na reportagem do Esporte Fantastico, para citar apenas alguns. Por isso continua nos fascinando e gerando livros e filmes. Alias, aguardo com ansiedade o filme sobre ele com Rodrigo Santoro.

Excelente o texto do Lucidio Jose' de Oliveira e parabens ao Valdir por divulga-lo no blog.

Abracos,

Mauro