sexta-feira, 8 de março de 2013

A bola do jogo



O jogo do século
Por Valdir Appel


No ranchinho, anexo a nossa casa, a máquina de costura e a tábua de passar roupa tinham como companhia um rádio Semp, preto, a válvula, sintonizado na Rádio Araguaia, que só movia o dial após as 6 horas da tarde, para que eu pudesse ouvir mais uma aventura do “Jerônimo, o Herói do Sertão”, e de seu fiel amigo, o moleque Saci, na Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
Ouvir com a imaginação fértil de garoto, para suprir os momentos em que o sinal fugia, bem no meio de uma tocaia do bandido Caveira, ou quando o mocinho tentava salvar a sua amada Aninha das garras do Perneta, nos sertões brasileiros.
Mas, era o futebol carioca que mantinha, eu e meu pai, colados ao rádio, tanto nas noites de quarta-feira quanto nas tardes de domingo. Sabíamos de cor as escalações das equipes e, por influência dele, apaixonei-me pelo Botafogo.
O Botafogo e o Clube Esportivo Paysandú eram os times que ocupavam o meu coração. O Paysandú, ao lado da minha casa, praticamente me viu nascer para o futebol. O Botafogo, campeão carioca em 1957, era a base da seleção brasileira que conquistaria a Copa do Mundo na Suécia, em 1958.
O Flamengo me causou admiração quando passou por aqui, três anos depois, trazendo  Gerson, Joel, Henrique, Dida e Babá. Tinha até um futuro conde de nome Germano.
E foi exatamente no ano da conquista do primeiro título mundial da seleção canarinho, que o Botafogo se exibiu em Brusque.
O estádio Augusto Bauer ficou apinhado de gente na tarde de 30 de março. Caravanas de vários municípios se deslocaram até Brusque. Uma arquibancada extra ainda foi insuficiente para acomodar tanta gente. Muitos ficaram de fora.
No centro do gramado, os jogadores do Carlos Renaux, trajando o seu tradicional uniforme tricolor, misturaram-se aos botafoguenses para colorir a festa e posar juntos para a foto histórica, que as lentes dos fotógrafos registrariam e eternizariam em preto e branco.
Eu estava na extrema direita, no lado oposto às arquibancadas, próximo ao bambuzal que fechava uma das linhas de fundo do estádio, praticamente pendurado no muro, para poder enxergar o campo e a movimentação dos jogadores.
Nos arredores, residências próximas vendiam lugares nas janelas e até em orifícios nas paredes, de onde os torcedores que não conseguiram um ingresso se revezavam, na tentativa de ver um momento mágico de Mané Garrincha, uma folha seca do Didi, uma subida do lateral Nilton Santos, um tiro indefensável do Quarentinha...
Os torcedores, sentados nas tribunas e nas arquibancadas, além do conforto tinham o privilégio de estar mais próximos do Garrincha, que jogou a primeira etapa daquele lado. O alambrado próximo da lateral permitia um papo com o Mané, que comentava as suas jogadas com os torcedores, e ouvir as broncas intempestivas do João Saldanha aos seus comandados.
Ah, mas o time do Renaux era magnífico! Julinho, Esnel, Teixeirinha, Petruscky, Mosimann, Agenor: extraordinários jogadores que não foram avisados de que deveriam ser apenas coadjuvantes do espetáculo, e não permitiram que o seu palco fosse usado pelos visitantes, sem antes dar uma amostra da arte catarinense de jogar futebol.
Um magnífico primeiro tempo se encerrou com a surpreendente vitória brusquense por 4 a 1, com gols de Agenor (aos 8 minutos), Julinho (aos 17), Quarentinha (aos 26, descontou), Teixeirinha (aos 31) e um gol contra de Servilho. Começou o segundo tempo, e logo aos 4 minutos Petruscky enfiou o quinto gol.
Decepcionado, permaneci esperançoso numa virada até os 15 minutos, aguardando uma reação do meu Botafogo, que não veio.
Abatido, iniciei então um lento processo de retirada, afastando do meu caminho os torcedores, até encontrar a saída do estádio.
Já na rua, continuei em direção a minha casa, sem pressa de chegar, curtindo o meu choro disfarçado. Os gritos de gol continuavam. Eu cobria meus ouvidos, temendo o pior: mais gols do Renaux!
Finalmente, cheguei em casa. No portão, meu pai e minha mãe, rodeados pelos meus irmãos, se surpreenderam por me ver chorar.
“Pai, o meu Botafogo está perdendo de 5 a 1!”.
“Estava, meu filho, estava! O jogo terminou 5 a 5.”.
Não é necessário tentar dimensionar o tamanho da minha decepção. Não sabia se me alegrava com a reação botafoguense ou se chorava mais ainda, por não ter visto os gols de Edson (aos 20 minutos), Neivaldo (aos 22) e Didi (aos 27 e aos 41), que igualaram o marcador.
Eu perdera os momentos finais de uma partida de futebol que marcou para sempre toda uma geração e até hoje é considerada a mais emocionante já realizada em gramados catarinenses.

Ficha da partida: C.R.Botafogo: Adalberto, Domício, Nilton Santos, Beto (Ademar), Servílio, Pampolini, Garrincha, Didi, Paulinho (Rossi), Edson e Quarentinha (Neivaldo).
Renaux: Mosimann, Ivo Mayer, Baião, Tesoura, Gordinho, Isnel, Petruscky, Júlio Camargo (Vicente), Julinho, Teixeirinha e Agenor.
Brusque, 30 de março de 1958

Nota: esta é a bola original deste jogo histórico. Autografada por Mané Garrincha, Didi, João Saldanha e muitos outros.



Um comentário:

Anônimo disse...

Valdir
Você é demais. Quantas emoções além de ter jogado no maracanã, que não é para qualquer atleta, nos brinda sempre com belos textos e narrativas históricas do nosso futebol bretão.
Não precisava escrever mais nada, só de ver e recordar uma bola desse tipo a n° 5 como era conhecida, me deixou algum tempo apreciando-a.
Porém essa não é uma bola comum, com ela certamente os 10 gols do jogo foram por ela marcadas. Claro o grande artilheiro de um jogo é a bola, ela que entra no gol...rsrsrrs...ninguém pensou nisso né.?
Bola assinada por Garrincha que Cia. ltda., não deve existir muitas por aí...eu nem sabia dessa bola. Sei do jogo 5x5 com o Botafogo.
Agora confessa aí Valdir, como Dinamite que era Botafogo, você também agora ou desde 1965 é vascaíno.
Abraços
Adalberto Day cientista social e pesquisador da história. Em Blumenau