domingo, 25 de setembro de 2016

O homem da prancheta

Joel deixou pra trás os carrinhos de rolimã, as bolas de meia, as pipas e o juvenil do Olaria, da Rua Bariri, suburbio carioca. Mudou-se para a Tijuca, com os pais e a irmã, e foi contratado pelo Vasco.
Não levou muito tempo para se adaptar em São Januário. 
Foi logo botando as manguinhas de fora, impondo-se aos garotos do juvenil, assumindo a faixa de capitão e o comando do time do seu Célio de Souza em campo. Chegou prematuramente aos aspirantes e foi logo colocando faixa de campeão em cima do Flamengo em 1967.
No ano seguinte, o Vasco contratou Paulo Baltar, preparador físico, para ser auxiliar do técnico Paulinho de Almeida. Baltar introduziu inúmeras inovações nas atividades físicas dos jogadores, até então acostumados apenas aos exercícios calistênicos e corridas de curta e longa duração.
Primeiro trouxe com ele Hélio Viggio, professor de jiu-jitsu, que tentou nos ensinar alguma coisa de defesa pessoal e como cair sem se machucar. Baltar gostava também de encerrar os treinos com uma série de exercícios abdominais. Munido de um porrete, circulava em volta dos jogadores. Ordenava que cada um deitasse, encolhesse as pernas e retesasse a barriga, depois desferia algumas porradas nos músculos abdominais da rapaziada.
Até hoje não sei dizer se os músculos enrijeciam por causa dos exercícios ou pela visão do objeto de tortura.
Sua suprema criação foi a introdução do bambolê nas atividades. Amanheceu na Colina, distribuindo pelo gramado vários bambolês, formando figuras que proporcionavam aos atletas a execução dos mais variados exercícios. Jogo da velha, correr em ziguezague, saltitar com os dois pés, um pé de cada vez...
No fim dos treinamentos a diversão era garantida com a tentativa de cada jogador, fazer o brinquedo girar em volta da cintura. Nei, cintura de pilão, rebolava feito sambista da Mangueira e não deixava a peteca cair, digo, o bambolê. Buglê e Moacir ficavam na deles, e como bons mineiros nem tentavam. Adilson, pernambucano macho, dizia que aquilo não era brinquedo de homem. Brito, tão duro como sua finesse, só enxergava o artefato no chão, como Joel, que arremessava o arco para cima e com força, sem, contudo, fazê-lo girar em volta dos duros quadris. O brinquedo beijava os seus pés antes do primeiro giro.
Esta prática não deu ao Joel mais mobilidade e traquejo, mas garantiu-lhe instantaneamente o apelido de Vassoura. Apelido este que seria reforçado, com o passar do tempo, por ser comprido, magro, e ter andar empertigado feito o Brito, de quem ainda herdou o hábito de fazer cara feia, dar esporro e meter o cacete em quem se aventurasse pela sua área. Não aliviava nos treinos e muito menos nos jogos.
A diferença entre eles, é lógico, era a alta capacidade técnica do zagueiro Brito, que se notabilizaria pouco depois no México, onde sagrou-se tri-campeão mundial pelo Brasil e foi eleito o jogador de melhor preparo físico da competição.
Fora de campo, Joel era um dedicado estudante, abstêmio, gostava de samba, de namorar e de automóveis. Com seu primeiro carro, um fusca azul, costumava fazer perigosas curvas nas imediações do Maracanã, fazendo pose de Emerson Fittipaldi ao som das músicas do Tim Maia.
Autodenominava-se Joel Gogô, sem explicar porquê, referência, talvez, ao som contagiante que tomou conta das rádios e boates do Brasil nos anos 60. O embalo de Johnny Rivers at the Whiskey a GO GO precedia a febre que os Bee Gees e Os embalos de sábado à noite causariam nas discotecas, praticamente 10 anos depois pelo mundo afora.
Joel, com seu estilo viril, foi campeão carioca pelo Vasco em 70 e brasileiro em 74. Seu último clube foi o América de Natal, onde conquistou alguns títulos potiguares antes de encerrar a carreira como jogador, formar-se em Educação Física e tornar-se um técnico de muito prestígio.
Passou a ser conhecido como O Rei do Rio após a conquista do seu quinto título carioca como técnico.


Nota - A famosa prancheta é usada como apoio para Joel desenhar as principais jogadas dos adversários durante o primeiro tempo de uma partida.
No intervalo dos jogos, fundamenta sua preleção com as anotações feitas.

Em 1969 o Vasco da Gama fez pré temporada em Vassouras, RJ. Na foto: Joel, Celso, Buglê, Valdir, Alcir, Nado e Acilino.

3 comentários:

Anônimo disse...

Ola' Valdir!

Otima descricao dos metodos revolucionarios de preparacao fisica do professor Paulo Baltar. O fato e' que, nos primeiros meses de 1968, o Vasco voava em campo e venceu as 10 primeiras partidas do campeonato carioca. Mas depois o time foi perdendo o gas, tambem prejudicado por algumas contusoes, perdeu pontos irrecuperaveis e acabou sendo superado na ultima partida pelo Botafogo.

Um episodio marcante do Joel, na epoca de zagueiro, aconteceu numa partida do Campeonato Brasileiro de 1974. O Vasco enfrentava o Santos, na primeira rodada do quadrangular decisivo. O Moises estava contundido e por isso o Joel foi o titular naquele jogo como quarto-zagueiro, entrando numa tremenda fogueira, pois a sua ingrata funcao seria a de marcar justamente o Pele'. Ja' no segundo tempo, o Vasco ia vencendo o Santos por 1x0 e o Joel tinha atuacao impecavel, marcando o Pele' lealmente, por incrivel que pareca, e anulando o Rei. Mas o Pele', que dentro de campo era tambem um grande malandro, se agarrou no Joel numa disputa de bola na meia-lua e caiu sentado, ja' com o braco levantado pedindo falta, levando na conversa o Agomar Martins, aquele juiz gaucho baixinho. O Joel ficou uma fera. Esbravejava ostensivamente, agitando os bracos para cima e para baixo, inconformado. Mas nao adiantou. O Pele' bateu a falta e empatou o jogo. Mas felizmente, quase no final do jogo, o Roberto Dinamite fez o gol da vitoria.

Adalberto Day disse...

Valdir
O Joel será sempre folclorico. Muito boa sua descrição sobre os preparadores e também em particular do Joel Santana.
Um abraço e boa semana
Adalberto Day de Blumenau.

JORGE MEDEIROS disse...

Valdir, vc deveria fazer uma entrevista com o Paulo Baltar. Acho que seu trabalho no Vasco foi realmente revolucionário.