segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Bola murcha
Numa manhã de domingo, fim dos anos 50, o América realizou um torneio de futebol amador que reuniu equipes de vários bairros da cidade de Brusque.
Um chapéu de feltro recebeu os papelotes com os nomes dos times para sorteio: Operário da 1º de Maio, União da Santa Terezinha, aspirantes do Paysandú e aspirantes do Carlos Renaux, Orífico de Ribeirão do Ouro, Aymoré de Guabiruba, Guarani e do próprio América.
As equipes chegaram uniformizadas e se ajeitaram como puderam em volta do gramado. Não havia vestiários.
Eram precárias as instalações do pequeno estádio e três latrinas foram erguidas do lado mais alagado do campo para atender os jogadores e populares em suas necessidades fisiológicas. Atrás destas casinhas de madeira, um imenso abacaxizal, ver-se-ia depois, causaria um tremendo desconforto e alguns arranhões para quem fosse buscar a bola que volta e meia caia por lá. Fora a demora para o reinício do jogo.
Barracas nas proximidades do campo vendiam cervejas e refrigerantes, mantidos na temperatura ideal, acondicionados dentro de tinas cobertos com barras de gelo e cepilho. As alcatras na brasa eram servidas bem passadas, enquanto o cachorro quente fazia a alegria da gurizada.
Assim, ninguém tinha motivo para arredar o pé do local.
As partidas duravam em média vinte minutos - dez minutos cada tempo. Jogos que, invariavelmente, terminavam empatados e eram decididos nos pênaltis.
Debruçados sobre os corrimões das laterais do gramado, os parentes torcedores viram o entardecer chegar e com ele duas equipes finalistas, que deixaram pelo caminho diversos oponentes.
A equipe azul e branca do Guarani e o anfitrião vermelho e branco, América, depois de um renhido confronto de dois tempos de 20 minutos e um empate sem gols levaram a decisão para os pênaltis.
Os torcedores se concentraram de forma maciça atrás da baliza escolhida para as cobranças.
No gol do Guarani, o elástico Orlando Silva; no gol do América, o tranqüilo Bragança. O habilidoso Miro Pires, pelo Guarani, e Irineu Gonzaga, “o torpedo”, pelo América executariam as cobranças que eram feitas em série de cinco pênaltis para cada lado. Prenúncio de muito equilíbrio.
Miro, famoso por jamais perder um pênalti, ganhou por sorteio o direito de iniciar a primeira série.
Converteu os cinco com arte. Irineu não fez por menos, encaçapou todos.
O quinto petardo desferido por Irineu, abriu um buraco no canto superior à direita do goleiro Orlando.
O menino que correu desembestado para buscar a bola numa vala próxima ao Alambique do Stefen trouxe-a murcha.
Entregou-a ao presidente do América, Marcelino, que servia de mediador do espetáculo. Marcelino, meio constrangido, exibiu a bola murcha para os jogadores e torcedores.
Como de costume, na época, a bola não tinha uma reserva.
Costume e contenção de despesas.
Marcelino providenciou uma bomba de encher, reuniu os goleiros e os batedores e sugeriu:
“Eu encho a bola e o Miro bate o pênalti rapidamente antes que ela esvazie de novo. Buscamos a bola e repetimos o procedimento. Depois faremos o mesmo na cobrança do Irineu. Combinado?”
Todos que lá estavam, lembram de um incansável presidente Marcelino: com a
bola de couro presa entre os joelhos, mão esquerda segurando a bomba, mão direita num vai e vem repetitivo para enchê-la.
Somente após a terceira série de cinco pênaltis a disputa foi encerrada com um erro de pontaria do Irineu, que jogou a pelota por cima do arco do goleiro Orlando. Como de costume, Miro Pires converteu todas as penalidades e o Irineu perdeu a décima quinta.
Irineu ainda argumentou que errou porque a bola que lhe foi entregue não estava bem cheia e o seu chute pegou embaixo da pelota murcha, meio troncha, que saiu por sobre o arco bugrino. Mesmo derrotado, quem se deu por satisfeito e feliz com o encerramento da interminável disputa foi o presidente do América.
Seu braço cansado não agüentava mais encher a bola pro Miro e pro Irineu chutarem os pênaltis.

Time do Guarani, 1952
Antonio F, Mario M, Felix V, Soni A, Chico H, Osmar H; Ovídio H, Pepino M, Erico D, Iquinho B e Luti R.

3 comentários:

Anônimo disse...

Valdir
Como sempre excelente o texto, e engraçado. Mas acho que nessa época era um cobrador só, e batia 3 penaltis e não cinco. Pelo menso é isso que lembro dos anos 60 quando o Amazonas ganhou alguns torneios inicios, pelos penaltis cobrados pelo Gepe e o goleiro o Nino, ou Tillmann.
Um abraço e sucesso
Adalvberto Day de Blumenau

Anônimo disse...

Beto,`
Quem conta um causo aumenta um ponto. No causo aumentei a quantidade de penaltis por série.
Eheehe...
Abraço

Anônimo disse...

Bom dia Valdir!!!

Parabéns pelo excelente artigo intitulado "Bola murcha"!
Muito engraçada e interessante essa história, sensacional!
É um relato bem realista, detalhado, curioso e engraçado do futebol de antigamente na região de Brusque, em que, apesar das carências, era uma época de jogadores brilhantes que atuavam por amor à camisa, ao contrário dos mercenários de hoje em dia, o que me fez perder o interesse pelo futebol.
Sugiro que essa história seja incluída num próximo livro seu.
Muito obrigado por nos brindar com histórias tão interessantes!
Um grande abraço,
Francisco Daniel Imhof (Jaraguá do Sul)