quinta-feira, 18 de outubro de 2012

As apostas

Nos dias de clássico, os ônibus e os trens da Central do Brasil despejavam milhares de ruidosos torcedores, que se juntavam aos transeuntes, moradores da Tijuca, Vila Isabel e outros bairros próximos, formando uma multidão ordeira, vestindo a camisa do seu time, carregando bandeiras, fitinhas, promovendo buzinaços e agitando os arredores do maior estádio do mundo.

Era uma desordem colorida e sem violência.

Depois da praia, não havia programa que superasse passar uma tarde no Maracanã.

As filas se formavam nas bilheterias, onde pais e filhos eram rivais apenas na cor das camisas.

O deslocamento para as rampas de acesso às arquibancadas era apressado e alegre, sugerindo mais emoção do que necessidade.
Enquanto os olhos não vislumbrassem o gramado e o agito da galera que se comprimia nos degraus das arquibancadas, o torcedor não respirava.

A arquibancada do estádio era dividida ao meio por uma fileira de soldados. Não era uma medida para separar brigas, apenas limitava simbolicamente os espaços de cada time.

Brincadeiras sadias eram feitas pelos torcedores. Por exemplo: levar um amigo pela primeira vez ao Maracanã com a camisa do Vasco e mandá-lo acessar a arquibancada pelo lado errado, caindo bem no meio da torcida do Flamengo, era uma delas. O máximo que acontecia era uma saraivada de papelotes e sacos de urina na cabeça do intruso atrevido.

A inquietante espera pelo jogo principal diminuía com o início da preliminar, paliativo que preparava o torcedor para o grande show do jogo de fundo. Espera suprida pelo consumo de sorvetes Chica Bom e do Mate Leão, que saía geladinho e espumante das torneirinhas dos tambores, carregados pelos ombros dos vendedores de uniforme e boné verdes, que levavam entre os dedos o dinheiro do troco, dobrado ao comprido, bem ao estilo trocador de ônibus.

Em 1966, o campeonato de aspirantes transcorria bem disputado. As preliminares estavam proporcionando espetáculos mais interessantes do que os jogos de fundo. Pelo menos para os vascaínos, que seguiam invictos na competição.
Na nona rodada, enfrentamos o Fluminense no Maracanã.

Bastante conhecido era um grupo de torcedores-apostadores que se formava atrás do gol, à esquerda da tribuna de honra, bem cedo, antes do início da preliminar.
Ali, se fazia todo tipo de aposta: qual time entraria primeiro em campo; pra que lado o Vasco vai atacar; a cor da camisa; quem vai cobrar o primeiro escanteio; quem faz a primeira falta; e vai por aí afora...

Acilino e Paulo Dias, cariocas da gema e bons malandros, brecaram a nossa subida para o gramado do Maracanã, nos degraus do túnel, e nos convenceram a esperar o momento certo de adentrar em campo. Motivo: um amigo deles apostara que o Fluminense seria o primeiro a pisar o gramado e que daria um trocado para eles.
Havia multa por atraso de jogo e a demora começou a deixar todo mundo angustiado.

De vez em quando, um de nós botava a cabeça pra fora do túnel e espiava pra ver se o Fluminense entrara ou não.

Começou a chegar ordem dos dirigentes pra gente entrar.

O técnico Célio de Souza, supersticioso, ficou nervoso, porém calado.

Surgiram as primeiras vaias e, por fim, ganhamos no cansaço: o Fluminense entrou primeiro.
O que os nossos espertíssimos colegas não esperavam, é que do lado de lá, também tinha jogador amigo de apostador, motivo de todo o impasse.

O jogo foi sensacional e terminou empatado em 1 a 1. Neste caso, como não houve ganhador, o bicho foi dividido.

Só não sei se os colegas receberam a parte que lhes cabia nas apostas.

(Vasco da Gama, 1966)
-Publicado no Livro Na Boca do Gol-

Um comentário:

Adalberto Day disse...

Valdir
Eu acompanhei com interesse esse campeonato de aspirantes, principalmente por ser vascaíno, você ser um dos goleiros, e por que o Vasco no principal foi um desastre. O Vasco foi o campeão dos aspirantes, e no principal o Bangú com aquele timaço do Ubirajara, Paulo Borges, Parada, Bianchini e Aladim, forma os campões. Ano que o Almir estava no Flamengo e o tempo fechou, no jogo contra o Bangú.
Bela postagem Valdir, a cada dia a gente se surpreende com esse seu acervo fantástico.
Abraços Adalberto Day cientista social e pesquisador da história em Blumenau