sexta-feira, 23 de abril de 2010

Nílton Santos em preto e branco
(1925-)
Por Antonio Falcão.

Nílton Santos é Machado de Assis / o enciclopédico
pai da academia / e de Capitu.


Para todos, Nílton dos Reis Santos ia longe, pois aos 14 anos era ídolo na carioca Ilha do Governador, onde nasceu em 16 de maio de 1925. Mas – para ajudar ao pai, Pedro, pescador, e à mãe, Josélia, servente de escola – largou a ponta-esquerda da equipe adulta de Flexeiras, recanto humilde e nome do ti-me do bairro. E foi ser garçom na cantina de um hangar norte-americano, ins-talado na Ilha do Governador durante a II Guerra Mundial. Por extensão, Níl-ton também largou os estudos na terceira série do primeiro grau.
E em 1945, como recruta da Aeronáutica de 1,84 m de altura, ele gozava de regalias, pois era o meia-armardor da equipe do quartel. Daí, assim que Nílton saiu da farda, o major Honório – goleador do time da caserna graças aos seus passes – levou-o ao Botafogo. E no campo alvinegro (atual estádio Nílton Santos), em General Severiano, o futebol do ilhéu convenceu ao técnico Zezé Moreira e ao presidente do clube, Carlito Rocha. Antes, Nílton fora ao Flumi-nense, mas, tímido diante de craques como Rodrigues e Ademir Menezes, de-sistiu e voltou à Ilha. Outra vez, jogando pela Aeronáutica, o São Cristóvão quis contratá-lo. Todavia, o seu protetor – major Honório (depois, brigadeiro) – aconselhou-o a não assinar contrato com time pequeno.
No Botafogo, Nílton Santos só estreou na equipe profissional em março de 1948. E não no ataque, como queria, mas na lateral-direita, a pedido do presi-dente Carlito Rocha. O clube, já sem o magistral Heleno de Freitas, nesse ano seria campeão do Rio, com Nílton sendo o destaque da temporada. Em campo, pelo fino trato de bola, o ilhéu introduziu um novo estilo de ala: saber atacar – coisa que, hoje, raros laterais fazem com êxito. Depois, temporão, ele só se insinuou como craque aos 23 anos. E sem jamais ter sido juvenil, o que é raríssimo. Assim, quando venceu pela seleção o sul-americano de 1949, ninguém estranhou. Nem em 1950, ganhando o nacional de sele-ções estaduais pelos cariocas. E as Copas Rio Branco e Oswaldo Cruz de 56, 61 e 62 pelo País. Ou sendo o suplente de Augusto naquela Copa do Mundo perdida no Brasil, em pleno Maracanã.
Nesses selecionados, Nílton Santos via o técnico Flávio Costa implicar com a sua chuteira de bico mole. E, calado, ouviu desse dono do futebol brasileiro de então: “Beque meu joga com chuteira de bico duro e não dribla” – aí, pen-sou o ilhéu, viva Bigode do carrinho! E Nílton ironizaria depois: “Só que eu, por não gostar de jogar na defesa, não aprendi a dar de bico. Por isso, fiquei na reserva com o protesto do Zizinho”. Entretanto, a partir do campeonato pan-americano de 1952 – ganho pelo Brasil –, o botafoguense seria o titular do escrete brasileiro até 62, com e sem Flávio Costa.
Em 1953, dois marcos para ele: a chegada de Garrincha ao Botafogo e o ca-samento com Abigail. O primeiro lhe deu alegrias, foi o seu compadre e ami-go, “veio para nos ensinar a simplicidade... doar-se..., ser amado e sentido... É assim que eu prefiro vê-lo e é assim que o sinto” – disse do amigo no livro Minha Bola, Minha Vida. O casamento dera-lhe o filho Carlos Eduardo. Em 54, na Copa do Mundo na Suíça, Nílton viu o Brasil perdido, ignaro e patrio-teiro no vestiário – vinguem os mortes de Pistóia! (uma referência à cidade italiana onde os soldados brasileiros lutaram na II Guerra Mundial). Ou, no túnel, sendo obrigado a beijar a bandeira: “Quem não o fizesse, seria estigmatizado pelo grupo, era comunista” – diz Nílton Santos nas memórias. Esse fiasco suíço sumiu em 1955, vencendo a Copa O'Higgins (idem em 59 e 61). A se-guir, ele ganhou a Taça do Atlântico (idem em 60) e voltou com o escrete à Europa. Em 1957, ele quis Zizinho no Botafogo, mas o clube – porque Ziza chutara Biriba, um cão-mascote do time – descartou e o Mestre foi para o São Paulo. Nesse ano, o alvinegro carioca teve João Saldanha como técnico, um supertime e o título. Foi aí que o radialista Waldir Amaral batizou Nílton San-tos de “Enciclopédia do Futebol” – o cognome justo para o melhor lateral-esquerdo do século, assim reconhecido pela Fifa, em 1998.
Mas o seu auge foi vencer a Copa do Mundo na Suécia e ser visto como o melhor na sua posição desse certame, em 58. No Chile, quatro anos adiante, o bicampeonato pelo Brasil. Ainda em 1962, o Botafogo repetiu o título carioca e venceu o torneio Rio-São Paulo – este, também em 64, data em que o País perdeu a liberdade em um golpe de estado. E, no fim do ano, o Brasil também perdeu o prazer de assistir Nílton dos Reis Santos atuando, pois ele decidira perdurar as chuteiras. Ao todo, o Enciclopédia do Futebol fez 729 jogos pelo Botafogo e 84 no selecionado brasileiro; com 11 gols assinalados pelo clube e 3 pelo escrete nacional.
No povo, a esperança que ele levasse a carreira adiante, indo além dos 40 anos. Porém, Nílton, que desde 62 era quarto zagueiro, descobriu que a dire-ção do Botafogo não retribuía a lealdade que ele tivera com o time ao firmar contratos em branco. E que isso era pretexto para conter o salário de outros jogadores. Depois, o Enciclopédia viu com tristeza Garrincha, no ocaso, ser maltratado no alvinegro que ajudara a construir. Aí disse basta antes que o seu contrato expirasse em abril de 1965. Um cartola ainda rogou para ele ficar, recebendo por mês, como se jogasse. E, indignado, o artista se valeu do pedi-do doando os salários aos mais humildes funcionários do Botafogo, clube ao qual – “com espírito de amador”, como escreveu em preto e branco – Nílton serviu, única e profissionalmente, por quase 18 anos.
Antes de sair das canchas, ele se arranjou no governo, gerindo os estádios do Rio de Janeiro. Depois, participaria de um órgão de apoio aos atletas, atra-vés do qual ajudara vários ex-craques. E na ex-Legião Brasileira de Assistência – LBA decidiu ensinar futebol às crianças, desenvolvendo projetos de educa-ção na periferia do Rio. Em contrapartida, o Enciclopédia aprendeu com a molecada a crua realidade social do País. Tanto que um menino lhe revelara em tom de gratidão: “Professor, quando parar um parente seu na avenida Bra-sil, mande falar no seu nome que a gente livra ele” – livra de ser assaltado, cla-ro.
Nessa tarefa de trabalhar com crianças, Nílton assessorou prefeituras e en-tidades aptas a instalar escolinhas de futebol. Por isso, ele foi viver em Brasília, onde soube que no estado de Tocantins, ao Norte do Brasil, um moderno es-tádio também estampa o seu nome. Mas, antes dessa lida com as crianças, Níl-ton Santos foi também técnico profissional dos Galícia e Vitória baianos, Bonsucesso carioca, São Paulo gaúcho e Taguatinga brasiliense. Além de ser duas vezes diretor de futebol do Botafogo carioca – na primeira, tendo Tim (para Zizinho, o melhor técnico brasileiro) como treinador. Afora o que fez, em 1980 Nílton pôs uma loja de material esportivo e, desastrado no comércio, quase faliu.
Tudo isso sem se afastar da segunda mulher, dos filhos – um deles do primei-ro casamento – e da netinha Hanna, que faz dele o que ele fazia com a bola: o que quer... De melhor, o ex-lateral-esquerdo botafoguense ouve e fala bem dos amigos – isso lhe amolece a alma octogenária, de cabelos brancos. Ou, comovido, quando ele lê que o finado jornalista Sandro Moreyra acresceu – faz tempo – ao título do disco Ella Fitzgerald interpreta Cole Porter: “com a mes-ma facilidade com que Nílton Santos joga futebol”.

Extraído do livro de Antonio Falcão:
Os Artistas do Futebol Brasileiro
(50 minibiografias)
Editora e Comércio de Livros Jurídicos Ltda.
Rua do Riachuelo, 267, Boa Vista, Recife/PE – Fone: (81) 3301 7788
www.nossalivraria.com.br
atendimento@nossalivraria.com.br
Fones: (81) 3223.1661 / 3241.4450 / 9908.3090
Copyright by Antonio Leite Falcão, 2006
E-mail: afalkao@hotmail.com

2 comentários:

Adalberto Day disse...

Valdir
Mais uma bela crônica, ficamos de olho e ouvidos antenados para sempre ler o seu blog na esperança de belas postagens.
O Antonio Falcão, faz uma leitura perfeita sobre nosso grande Nilton Santos, a enciclopédia do futebol brasileiro. O amigo do Garrincha.
Desde que ouvi falar e ver Nilton Santos nos idos anos 60, sempre percebia seu caráter irretocável, sua humildade e seu grande futebol. Mas que ele deu uma de malandro na copa do mundo de 62 ah isso deu....fez pênalti, deu um passo para frente, levantou as mãos e ficou parado, o juiz estava longe e não deu a favor da Espanha que já vencia por 1x0, depois o Amarildo fez dois gols e o Brasil venceu por 2x1.
Nilton Santos, Botafogo, escrete brasileiro e Garrincha, serão imortalizadas com este grande craque. Falar ou escrever sobre o Nilton Santos, vão faltar espaços. Valeu grande Nilton Santos o craque eterno.
Adalberto Day Cientista social e pesquisador em Blumenau.

Airton Leitão disse...

Valdir,
Ainda bem que descobri seu blog há algum tempo. É bom demais ler o que você colocar aqui.
Aproveito para fazer uma declaração:
Não há nenhum botafoguense que seja mais fã de Nilton Santos do que eu, vascaíno. Minha admiração por ele não tem limites. O maior lateral esquerdo da história do futebol era destro; jogou 729 vezes e por 18 anos com a mesma camisa.
Dizer mais o quê?
Valeu a pena ler esta crônica.