quarta-feira, 4 de abril de 2012

Para Gelson

Bal. Piçarras

O bêbado sem equilíbrio
Por Valdir Appel

Gelson é alcoólatra.
Das dez às dez.
No mesmo bar.
Na mesma mesa.
Frente pro mar que não vê.
Distante uma quadra da praia que não frequenta.
Camiseta regata.
Óculos escuros Ray Ban.
Bermuda e tênis de marca.
Adereços no pulso esquerdo.
Bengala ao alcance da mão direita.
O braço erguido orienta o garçom.
Um Steinhäger, uma cerveja.
Um sanduiche, às vezes, quebra a rotina.
Ergue-se da cadeira, apenas quando o mictório reclama a sua presença.
Ir pra casa é um tormento.
Tolerado pelo dono do boteco, que o ajuda no trôpego caminhar até o apartamento.
Afinal, não é todo freguês que deixa diariamente o equivalente ao consumo de uma garrafa de destilado e algumas latas de cerveja.
Já faz três anos, que o conheço.
Não me intrometo nos seus problemas.
Cicatrizes deixadas de uma separação e de um filho que não está nem aí para o pai.
Aposentado, com várias sequelas de derrame, pressão alta e diabetes.
Cumprimenta-me e sempre as mesmas perguntas são feitas.
Como se novas fossem.
-Você é carioca, Valdir?
-Não. Brusquense.
-Ah! Então você viu o Borrachinha do Joinville jogar. Baita goleirão.
O Walter também era ótimo.
Não vejo uma luz no fim do túnel para o Gelson.
Está vacinado contra conselhos.
No passado um empresário bem sucedido de Joinville e em Balneário de Piçarras.
Agora é apenas Gelson, do bar do João Pamonha.
Mostra clareza de raciocínio quando o papo envereda para a musica popular brasileira. Disserta sobre Pixinguinha, os uísques de Vinicius, os shows de Chico e Caetano.
As melhores faixas da sua coleção de long-plays.
Sempre que vou à praia chego ao bar, na expectativa de encontra-lo.
Ou não.
Por que só Deus sabe até quando ele irá ficar entre nós.

+Gelson nos deixou em 2011.
O bar já não é mais do João Pamonha.
A praia que Gelson nunca frequentou está cada vez mais linda.

Um comentário:

Adalberto Day disse...

Valdir Appel
Nossa espetacular essa sua crônica sobre o Gelson; pena que isso foi verdade e trágico.
Naquela mesa já não senta mais o Gelson.
O dono do bar já não é mais o Pamonha, ...mas os rumos incertos de muita gente continua pelos bares.
Parabéns Valdir e que Deus proteja o Gelson no céu.
Adalberto Day cientista social e pesquisador da história.