domingo, 6 de maio de 2012

GOLEIROS

Goleiros
Por Alex Medeiros
Postado em 26/4/2012 às 11:36:04hs

Menino, eu fui um meia criativo vestindo camisa e calção com o número 14 de Cruijff; fui atacante imitando os dribles e os trejeitos físicos de Leivinha; improvisei de volante imaginando-me Clodoaldo na Copa 70; e até me escalei como se fosse um Scala.

Entre os nove e os vinte e poucos anos, minha relação com uma bola de futebol foi sempre mantida com as pernas; nas peladas de rua ou nos colégios, jamais aceitei insinuações de ir para as traves durante a democrática sessão de “tirar” os times.

Mas ninguém impede que o primeiro contato com a bola, o mais mágico dos brinquedos, não seja feito com as mãos. Mãos que recebem o presente esférico, mãos que rasgam o papel do mimo tão esperado, mãos que giram a bola para a contemplação.

Com as mãos ajeitei a bola para o primeiro chute aos dois ou três anos, e que me levou ao chão. Com as mãos eu tratei de rabiscar meu nome e desenhos nas superfícies das esferas, como um animal humano a marcar o espaço da sua propriedade lúdica.

E antes de sair para exibir o talento no barro das ruas, nas areias da praia, no cimento da escola ou nos irregulares gramados dos campinhos do percurso Rocas-Quintas, tive nos cômodos do lar as minhas canteiras, as divisões de base, e alguns dias de goleiro.

Numa pequena sala, o estreito espaço entre a base de madeira e o pedal de uma máquina de costura Leonam (onde peguei a mania de ler as palavras de trás para frente), meu irmão transformava em trave para as minhas defesas. Depois veio um modelo Elgin.

Aquela pequenina e quase insignificante experiência no gol ajudou-me a aguçar a percepção de espaço, a relação tempo-espaço entre eu e a bola. Logo deixei a baliza da mãe-costureira e passei a chutar a “Bola Pelé” ou a “Canarinho” em sua direção.

Com o pé direito, com o esquerdo, a pontaria foi exercitada de modos que até hoje minha perna destra não tem qualquer vantagem sobre a canhota se o assunto é futebol. E nenhuma delas jamais me levou a zombar dos goleiros, nem mesmo os galináceos.

A partir da máquina de costura de minha mãe, jamais ousei jogar no gol. Marcar gols ou dar assistência foram a minha militância no ludopedismo das ruas, no amadorismo que os meninos do meu tempo viviam, como se cada pelada fosse uma final épica de Copa.

Fiz gols, vi tantos gols, louvo os gols de ontem e de hoje numa atemporalidade que não cansa. Mas a cada gol assistido e contemplado, sei reverenciar a missão solitária e heróica dos goleiros. Ah, meus amigos, agradeço aos deuses os goleiros que eu vi.

Eu vi os guarda-metas do humilde futebol potiguar nos tempos de Juvenal Lamartine, vi os baixinhos Ribamar e Erivan parecerem vara-paus alemães em defesas circenses; vi o magricela Dedé fazer pontes impossíveis; vi Bastos transformado em muralha de carne.

Nas sessões do Canal 100, quando os cinemas tinham as portas para a rua, assistí defesas epopéicas de Castilho, um pegador de pênaltis; vi Gilmar se elevando aos céus e impedindo que ao Santos ocorresse lá atrás o que Pelé e Cia. faziam lá na frente.

Uma década e meia depois do trauma da geração do meu pai, constatei na tela a grandeza de Barbosa, o maior de todos os goleiros da nossa história. Eu vi Picasso fazer defesas plásticas como se fosse o pintor homônimo em estado de graça tricolor.

Perguntem por aí aos mais velhos, folheiem os livros e revistas, naveguem nas buscas do Google, do Bing; vejam como Ubirajara garantia o “bicho” do Flamengo, assistam Raul como artista pop cegando os atacantes com o amarelo canário da camisa do Cruzeiro.

A mítica seleção brasileira do tri tinha três bichos para defender as traves, um gato chamado Félix, um felino maior de nome Leão e um grande leopardo de nome pequeno, Ado, que tantas vezes fechou o gol do Corinthians diante de craques imortais e letais.

O russo Yashin aparecia no cinema com seu contorcionismo de aranha, e meus olhos testemunharam ao vivo a milagrosa defesa do inglês Banks contra o rei Pelé. Eu tinha o uruguaio Mazurkiewicz como titular da minha seleção de caixinhas de fósforo.

Eu vi jogar Hélio Show, Valdir Appel, Wendell, Mazzaropi, Andrada, Dino Zoff, Mayer, Preud’homme, Taffarel. E reverencio cada um dos atuais neste dia dedicado aos anjos solitários a quem os deuses determinaram tão difícil e ingrata missão.

Acho que o terreno descascado dos goleiros, onde dizem não nascer grama, é só um ponto a distinguir do verde, para que os deuses olhem melhor para eles. Contemplo seus feitos com a ternura de quem rever um menino pegando bolas na máquina de costura da mãe.

http://www.alexmedeiros.com.br/

Um comentário:

Adalberto Day disse...

Valdir
Muito bom o texto sobre goleiros do Alex.
Cada goleiraço que ele cita, e aponta o Barbosa do meu Vascão, como o melhor de todos os tempos.
Parabéns Alex pelo texto, e ao Valdir pela postagem
Adalberto Day cientista social e pesquisador da história em Blumenau