quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Rivalidade eterna

Clássico entre Paysandú e Carlos Renaux termina empatado e espalha alegria e nostalgia por Brusque
Por Maurício Haas

Por alguns minutos, os bons tempos voltaram. Quem foi ao estádio no domingo, 8, para ver os velhos jogadores de Paysandú e Carlos Renaux outra vez, deleitou-se com os ingredientes que o clássico brusquense sempre proporcionou. As arquibancadas não estavam completamente lotadas como nas décadas passadas, mas muitas pessoas presenciaram os gols de Kéka e Neilor, para Paysandú e Renaux, respectivamente, que decretou o placar final em 1 a 1.
Quem assistiu a partida que fazia parte das comemorações pelos 150 anos de Brusque, também pode recordar aqueles domingos em que a cidade parava, paysanduandos e tricolores não se falavam, foguetes estouravam pelo céu durante a semana que antecedia e a posterior.
Ontem, um tanto "evoluída", a situação foi diferente. Ambas as torcidas dividiram o mesmo espaço, conversaram e reviveram juntas. Teve até torcedor do Paysandú conversando com tricolor. Vê se pode uma coisa dessas!
"Na década de 50 a rivalidade era muito grande. Moça do Paysandú não casava com rapaz do Carlos Renaux. Era igual moça católica casar com luterano. Dava problema", recorda Roberto Kormann, 66 anos, presidente do Conselho Deliberativo do Carlos Renaux. "Mas hoje a festa está muito bonita. As homenagens, esses jogadores do passado. É bonito ver tudo outra vez", complementa.
Ao seu lado, vestindo uma camisa verde e branca estava Oswaldo Appel, 85 anos, ex-goleiro do Paysandú. "Hoje podemos conversar. Somos amigos. Vamos na hidroginástica juntos. Desde criança vivo no Paysandú. É muito bom relembrar. Que dia bonito!", exclamou.
Outras pessoas jamais haviam assistido um clássico Renaux X Paysandú. Caso de Ricardo Hartke, 25 anos. Vestindo uma camisa tricolor que seu pai lhe dera, o jovem pode presenciar algo que seu pai e seu avô sempre lhe falaram. "É diferente dos dias atuais. Sou corintiano, deixei de ver Corinthians e Flamengo para vir aqui hoje. Está toda minha família aqui", comenta, pra depois deixar claro que também é torcedor do Bruscão.
Antes do jogo iniciar, ex-jogadores foram homenageados. Também teve a orquestra de acordeões, comandada por Bruninho Moritz, tocando o hino da cidade de Brusque, do Paysandú e do Carlos Renaux. Tudo sob aplausos e "vaias cordiais" dos adversários.
O prefeito Paulo Eccel, vestindo uma camisa do Bruscão, e seu vice, Evandro de Farias "Farinha", com a camisa do Renaux, deram o pontapé inicial. Mais tarde, o prefeito assistiria a partida com a camisa do Paysandú. Porém, ao final, também vestiu o manto tricolor.
Após o início, o que se viu foi um jogo cadenciado pela idade e pelo estilo de jogar futebol de 20 ou 30 anos atrás. A plástica ainda era mais importante que o sistema de jogo, que a prioridade na defesa. Fato é que o clássico ganhou mais um capítulo, com dois gols mais, novos espectadores, novos temperos. É a história e a tradição sendo respeitadas.

Paysandú revive
Até os 15 minutos do segundo tempo era tudo amistoso entre Paysandú e Carlos Renaux. Só que neste momento, Kéka, vestindo a camisa verde e branca número 9, domina dentro da área, tenta driblar o zagueiro Jonas e cai, derrubado pelo defensor. A torcida se levanta em um grito só na arquibancada enquanto o árbitro Margarida, vestindo seu uniforme rosa, rebola em disparada apontando para a marca da cal.
Respiram todos. Kéka está pronto para a cobrança do penal. A sombra já toma conta do gramado e o sol que iluminou o dia inicia sua retirada.
Das tribunas do Estádio Carlos Renaux, que curiosamente é do Paysandú, ecoa uma corneta, ou um pistón, pra ser mais preciso. É seu Lino Tomazzoni, de 82 anos, empurrando o ar de seus pulmões através dum pistón dourado. Como se fosse o início de uma marcha militar, ele repete o gesto a cada lance de bola parada em favor de seu time do coração. Já tinha feito isso no primeiro tempo, antes de Keka cobrar uma falta no pé da trave. "É um grito de guerra para chamar o gol. Há 50 anos eu já tocava meu pistón nos clássicos", relembra seu Lino, olhando para o gramado. Sentado ao lado da esposa, das filhas, genros e netos, revela: "no carnaval o Paysandú sempre foi melhor que o Renaux, mas no futebol eles eram melhores. Espero ganhar hoje".
Comandado pelo som do pistón e das palmas, com a pelota acomodada a 11 metros do gol, Keka corre e chuta no canto direito do goleiro.
Tudo para. Um segundo de silêncio. Até o som de seu Lino cala. E tudo explode. Torcida, pistón, banco de reservas vibram em uníssono. É gol do Paysandú outra vez!
Kéka dispara com o braço erguido, apontando para a arquibancada, seguido de seus companheiros de time. Abraçados, vibram como meninos em frente a torcida, que pula junto. Regogizam-se todos. Os velhos tempos brotam na memória. E quem ainda não conhecia a emoção de ver um gol no maior clássico da cidade, arrepia-se ao imaginar todos os tipos de emoções que um jogo desses proporcionava nos brusquenses décadas atrás.

Carlos Renaux ressurge
Depois que o Paysandú inaugurou o placar, o jogo voltou a ser um clássico à moda antiga. Se antes ninguém queria perder, agora os dois queriam ganhar, a qualquer custo. Entradas mais duras e princípios de confusão, com "empurra-empurra" e "turma do deixa disso", tiveram que ser contidas pela irreverência do árbitro Margarida.
Com reboladinhas, beijos para a torcida, bitocas na careca dos jogadores, e corridas espalhafatosas, o árbitro e artista de 50 anos mantinha os nervos a flor da pele. Se ele não fizesse essas "palhaçadas" todas, talvez a cútis não conteria a força dos tendões.
No abafa e na vontade, o Renaux sai pra cima do Paysandú na busca pelo empate. Imagine perder o clássico e aguentar todas as gozações na segunda-feira. A semana seguinte seria dolorida, amarga. O empate era o mínimo necessário. Uma virada seria histórica, épica, algo digno de DVD.
E o gol que igualou o marcador teve cara de drama dos anos 50. A jogada começou pela direita, em um cruzamento que o goleiro do Paysandú, Binho, cortou em um voo sensacional, espalmando a bola.
Ela cai no pé do adversário, que toca para Nei. Empunhando o manto tricolor, ele fuzila pro gol. Já não há mais goleiro. Ele ainda não recuperou-se do voo que deu para cortar o cruzamento. O gol está livre, apesar da multidão dentro da área. Nei enfia o pé. Agora é a torcida do Renaux que prende a respiração, levanta-se e vê Osnildo, jogador do Paysandú, defender com os braços a bola que viajava em direção ao ângulo. O lance lembra Luis Suarez, do Uruguai, na Copa do Mundo da África do Sul, dias atrás.
Pênalti assinalado para o Tricolor. Apreensão. Neilor, maior artilheiro da história do Brusque FC, ex-jogador dos últimos anos de Carlos Renaux está preparado para a cobrança. Será que ele faz? E se ele errar? Não há quem não tenha imaginado as duas hipóteses.
Mas artilheiro de verdade passa meses sem perder pênalti. Com categoria, ele toca no canto e corre pro abraço em direção a arquibancada. Nela estão pessoas de todas as idades, gente que viu ou ouviu falar do clássico. Povo que deixou de ver a rodada número 13 do Brasileirão para acompanhar o clássico. Todos são tomados por nostalgia e alegria.

Jogaram o clássico
C A Carlos Renaux: Marcio Polly,Agenor, Moura, Clésio, Dimi, Casanica, Sandro,Almir,Neilor,Bila, Niltinho,Zô,Jonas,Fabio,Gilmar,Amarildo,Britinho,Serginho,Nei Bina,Buiu,Fábio,Antoni,Choca, Zecão,Clóvis, Carlinhos, Dago, Juquinha,Indião (técnico)
C E Paysandú:Binho, Nico, Claudecir,Mala, Felinho, Kéka, Schulemburg, Morelli, Pelé, Calito Fantini, Toninho, Beto Gislande,Betinho Knihs,Betinho Batista,Civinski,Osnildo Kistner,Dadam
Antônio Augusto,Carlinhos,Zequinha. Álvaro Bozzano (técnico)
Arbitragem
Clésio Moreira dos Santos - Margarida
Celso Zinke e Rosnei Hoffmann Scherer
Estádio Consul Carlos Renaux, em Brusque/SC
Data: 8/8/2010 - Horário: 16h
Gols: Paysandú: Keka, aos 17min do 2ºT; Carlos Renaux: Neilor, aos 27min do 2ºT

Maurício Haas - Jornalista (SC 3120) pelejador.blogspot.com (55) 47 9919 0401






Fotos de Valdir Appel

2 comentários:

Adalberto Day disse...

Valdir
O Jornalista Mauricio, nos trás uma excelente descrição deste classico apaixonante de Brusque. Duas equipes espetaculres, torcidas rivais mas de fibra. A rivalidade era tamanho segundo o texto e não era por ser menor. Lembro que aqui em Blumenau era a mesma coisa entre Palmeiras x Olimpico, isso faz parte da nostalgia em nossos dias, mas que emocionaram muita gente é fato de registro como este do Mauricio.
Abraços
Adalberto Day
Cientista social e pesquisador da história em Blumenau

Mau Haas disse...

Pô, Xiquinho, valeu pelos créditos. Grande abraço. Baita jogo. Como diria o Che Guevara, "como posso sentir nostalgia por algo que não vivi?" - foi mais ou menos isso que senti naquele domingo.

Abraço.