terça-feira, 14 de agosto de 2012

O jogo do século (parte 1)

O jogo do Século
Por Valdir Appel
No ranchinho, anexo a nossa casa, a máquina de costura e a tábua de passar roupas tinham como companhia um rádio Semp, preto, a válvula, sintonizado na Rádio Araguaia, que só movia o dial após as 6 horas da tarde, para que eu pudesse ouvir mais uma aventura de “Jerônimo, o Herói do Sertão”, e de seu fiel amigo, o moleque Saci, na Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Ouvir, com a imaginação fértil de garoto, para suprir os momentos em que o sinal fugia, bem no meio de uma tocaia do bandido Caveira, ou quando o mocinho tentava salvar a sua amada Aninha das garras do Perneta, nos sertões brasileiros. Mas era o futebol carioca que mantinha, eu e meu pai, colados ao rádio, tanto nas noites de quarta-feira quanto nas tardes de domingo. Sabíamos de cor as escalações das equipes e, por influência dele, apaixonei-me pelo Botafogo. Quando eu tinha 11 anos, o Botafogo e o Clube Esportivo Paysandú eram os times que ocupavam o meu coração. O Paysandú, ao lado da minha casa, praticamente me viu nascer para o futebol. O Botafogo, campeão no ano anterior, era base da Seleção Brasileira que conquistaria a Copa do Mundo na Suécia, em 1958. O Vasco me balançaria mais tarde e o Flamengo me causou admiração quando passou por Brusque, três anos depois, apesar de Gerson, Joel, Henrique, Dida e Babá formarem um time extremamente sedutor. Tinha até um futuro conde de nome Germano. O estádio Augusto Bauer estava apinhado de gente, naquela tarde. Caravanas de vários municípios se deslocaram até Brusque. Uma arquibancada extra ainda foi insuficiente para acomodar tanta gente. Muitos ficaram de fora. No centro do gramado, os jogadores do Carlos Renaux, trajando o seu tradicional uniforme tricolor, misturaram-se aos botafoguenses para colorir a festa e posar juntos para a foto histórica, que as lentes dos fotógrafos registrariam e eternizariam em preto e branco. Eu estava na extrema direita, no lado oposto às arquibancadas, próximo ao bambuzal que fechava uma das linhas de fundo do estádio, praticamente pendurado no muro, para poder enxergar o campo e a movimentação dos jogadores. Nos arredores, residências próximas vendiam lugares nas janelas e até em orifícios nas paredes, de onde os torcedores que não conseguiram um ingresso se revezavam, na tentativa de ver um momento mágico de Mané Garrincha, uma folha seca do Didi, um subida do lateral Nilton Santos, um tiro indefensável do Quarentinha... Os torcedores, sentados nas tribunas e nas arquibancadas, além do conforto tinham o privilégio de estar mais próximos do Garrincha, que jogou a primeira etapa daquele lado. O alambrado próximo da lateral permitia um papo com o Mané, que comentava as suas jogadas com os torcedores, e ouvir as broncas intempestivas do João Saldanha aos seus comandados. Ah, mas o time do Renaux era magnífico! Julinho, Esnel, Teixeirinha, Petruscky, Mosimann, Agenor: extraordinários jogadores que não foram avisados de que deveriam ser apenas coadjuvantes do espetáculo, e não permitiram que o seu palco fosse usado pelos visitantes, sem antes dar uma amostra da arte catarinense de jogar futebol. Um magnífico primeiro tempo se encerrou com a surpreendente vitória brusquense por 4 a 1, com gols de Agenor (aos 8 minutos), Julinho (aos 17), Quarentinha (aos 26, descontou), Teixeirinha (aos 31) e um gol contra de Servilho. Começou o segundo tempo, e logo aos 4 minutos Petruscky enfiou o quinto gol. Decepcionado, permaneci esperançoso numa virada até os 15 minutos, aguardando uma reação do meu Botafogo, que não veio. Abatido, iniciei então um lento processo de retirada, afastando do meu caminho os torcedores, até encontrar a saída do estádio. Já na rua, continuei em direção a minha casa, sem pressa de chegar, curtindo o meu choro disfarçado. Os gritos de gol continuavam. Eu cobria meus ouvidos, temendo o pior: mais gols do Renaux! Finalmente, cheguei em casa. No portão, meu pai e minha mãe, rodeados pelos meus irmãos, se surpreenderam por me ver chorar. “Pai, o meu Botafogo está perdendo de 5 a 1!”. “Estava, meu filho, estava! O jogo terminou 5 a 5.”. Não é necessário tentar dimensionar o tamanho da minha decepção. Não sabia se me alegrava com a reação botafoguense ou se chorava mais ainda, por não ter visto os gols de Edson (aos 20 minutos), Neivaldo (aos 22) e Didi (aos 27 e aos 41), que igualaram o marcador. Eu perdera os momentos finais de uma partida de futebol que marcou para sempre toda uma geração e até hoje é considerada a mais emocionante já realizada em gramados catarinenses. 

(Era 30 de março de 1958)
Revista Cartoon nº 35 Ano VII abril 2008 - Arte e texto Aldo

4 comentários:

Adalberto Day disse...

Bom dia Valdir
Sobre o que voc� falou sobre o jogo do s�culo, sensacional � eu j� havia lido em seu livro na boca do Gol. Por�m o que mais me chamou a aten�o foi o relato do famoso seriado que ouv�amos toadas as noites na R�dio Nacional do Rio de Janeiro �Jer�nimo, o Her�i do Sert�o�, e de seu fiel amigo, o moleque Saci, e sua fiel Anninha, era SENSACIONAL PARECE QUE ENTRRAVAMOS NO R�dio para ajudar, e quando a de cis�o ficava para o outro dia? Nossa a� era pura imagina�o e ansiedade.
Parab�ns Chiquinho
Adalberto Day de Blumenau

Anônimo disse...

Valdir,

Deve ter sido um jogão mesmo.

Do tempo que acompanho futebol- 1968, os maiores jogos que assisti, embora saiba que outros melhores devem ter acontecido, foram VASCOxPALMEIRAS pela final da Mercosul de 2.000, e VASCOxBOTAFOGO, ano passado, que terminou 4x4.

A vez que já vi um jogador mais jogar bola em uma só partida, embora saiba que outros devem ter feito mais, foi o Edmundo num jogo VascoxCorinthians, que o Vasco iniciou perdendo, em SP, por 2x0 e virou pra 5x2, com três gols do animal.

Nunca ví um jogador jogar tanta bola num só jogo.

Ví nas fotos o Célio, que marcou o gol do Vasco na final da taça Guanabara de 1.965.

Ví tbm o Samarone, engenheiro civil, salvo engano hoje aposentado do DNER, e tbm, salvo engano, capixaba.

Ah, seu excelente texto me fez lembrar algo parecido que já passei.

Em 2005 o Vasco foi jogar com o Santos em SP e logo no início do primeiro tempo estava perdendo de 2x0.

Fui dormir pois me recusei a assistir a uma futura e certa humilhação.

No outro dia, perguntei "quanto foi a goleada?", e meu irmão respondeu que o Vascão havia virado pra 3x2.

Acho que o meu lamento foi parecido com o seu..

Abração.

Saudações vascaínas.

Anônimo disse...

Grande Valdir, Saudações amigo, a vida é corrida mas tenho vc no coração..felicidades!! Genildo/Mossoró Rn

Unknown disse...

Grandes Paulista, podemos sim fazer a parceria.
Grande Genildo, onde você anda, cara!