sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Procurando Barbosa

Debruçado sobre o portão da minha casa, vi uma multidão surgir do nada, descendo a rua, apressada, quase correndo, em direção ao Clube Esportivo Paysandú.
Um garoto gritou pra mim:
“E aí, Chico? Não vais ver o Vasco?”.
Espantado, quase não acreditando, juntei-me ao povão e fui conferir.
Dezenas de pessoas se acotovelavam no hall da sede social do clube, junto às escadarias do salão de baile; invadindo o restaurante; buscando espaço para ver os jogadores vascaínos; e especialmente o capitão Belini, erguer várias vezes, com as duas mãos acima da cabeça, a taça Jules Rimet, repetindo o gesto que eternizou na conquista da Copa do Mundo de 1958, em Estocolmo, na Suécia.
A taça, seguramente uma réplica, era tocada, admirada, enquanto eu disputava aos empurrões os autógrafos dos meus ídolos, elegantemente trajados e muito cordiais no atendimento aos empolgados torcedores brusquenses.
A minha carteirinha de estudante aberta no meio, recebia as preciosas assinaturas: Barbosa, Paulinho, Belini, Orlando, Coronel, Delem... e se tornaria famosa a partir de então. Na escola, os colegas faziam fila para dar uma olhadinha.
Esta vinda a Brusque ocorreu por iniciativa dos dirigentes paysanduanos que aproveitaram a presença do Vasco em Santa Catarina para realizar dois amistosos. O primeiro jogo foi em Itajaí, no dia seguinte, com vitória sobre um combinado local, por 5 a 1, como parte das comemorações do centenário da cidade, proporcionando a milhares de torcedores catarinenses o privilégio de ver pela primeira vez no estado a Taça Jules Rimet.
A segunda apresentação foi em Blumenau contra o Olímpico, empate em 1 a 1, num jogo atípico de dois tempos de 30 minutos.
Meses depois, novo corre-corre até o Paysandú. Desta vez para ver o grande Barbosa fazer um único treino de exibição, para um estádio lotado de torcedores maravilhados com a sua presença (nenhuma partida oficial recebera até então um público tão grande).
Após o coletivo, Barbosa foi para o gol da entrada principal e ficou defendendo arremates dos atacantes. Eu me postei atrás da baliza e fiquei “defendendo” as bolas arremessadas para fora – para devolvê-las ao goleiro, na esperança de ouví-lo dizer:
“Você leva jeito, goleirinho”.O ponta direita Leba, do Paysandú, era o mais entusiasmado com a oportunidade de disparar seus belos chutes, verdadeiros pombos sem asa, em direção ao ângulo superior do arco, para onde Barbosa saltava com estilo, com as pernas paralelas, os braços esticados, levitando e defendendo com mãos seguras as bolas, que agasalhava, com carinho, para só então pousar com leveza no gramado.
Ele se protegia da queda com uma das mãos, e com a outra aninhava a bola cúmplice e dominada, junto ao peito.
Esta intimidade com a bola, poucos goleiros conseguem. E Barbosa já havia sido traído por uma na Copa do Mundo de 1950. Mas, no apogeu de sua carreira, ele se mostrava apaixonado e grato àquela companheira de tantos anos.
Leba, a cada defesa do magnífico goleiro, gritava: “Seguuuura, Barbosa!”. E a galera vinha abaixo, aplaudindo, vibrando, em puro êxtase.
Muitas versões cercam a vinda de Barbosa a Brusque. Alguns afirmam que veio para acertar um contrato com o Paysandu, para jogar, mas não houve acerto financeiro; outros comentam que a sua vinda foi um presente do presidente Tonica Pereira, vascaíno roxo, aos torcedores do clube.
À noite, houve uma grande feijoada na sede social com a presença de autoridades, dirigentes e jogadores alviverdes para homenagear o craque.
É um momento inesquecível na memória dos meus saudosistas conterrâneos.
Cinco anos depois, eu teria oportunidade de jogar no Vasco com Brito, depois com Orlando, e ter como treinadores Pinga e Paulinho de Almeida, e fiz questão de mostrar pra eles os autógrafos que eles me concederam.
Barbosa, quando soube que eu era brusquense, costumava ir a São Januário nos fins de ano, fazer um pedido especial:“Valdir, na volta das férias, traz aquela cachacinha especial. Fala pro teu tio que é aquela da diretoria!”.
(Crônica publicada no livro Na Boca do Gol)

5 comentários:

Anônimo disse...

Valeu meu goleiraço, parabéns pelo seu blog agora atualizado, valeu,
Célio

Anônimo disse...

Valdir
Nesses anos 50 o Vasco era um grande Clube..saudades...meu pai comentava muito. Agora o Barbosa, esse será uma lenda, se fosse campeão em 50 pela seleção, seria hoje considerado o melhor goleiro de todos os tempos.
Parabésn pela matéria.
Adalberto Day de Blumenau

Mauricio Neves disse...

Esse texto é SENSACIONAL!

Anônimo disse...

Valdir, a imagem em tamanho grande dessa reliquia que e' o caderno de autografos que comprova a veracidade da sua belissima narrativa e' uma dadiva fantastica, de um valor sentimental imenso, para nos vascainos que temos o privilegio de frequentar o seu blog.

So agora pude examinar em detalhe o recorte do jornal de Cataguazes que fornece o valor do seu passe. Foram 25 MILHOES de cruzeiros, e nao 25 mil. Claro que, logo depois, eles se transformariam em 25 mil cruzeiros novos. Lembra da reforma monetaria que cortou tres zeros?

Abracos,

Mauro

Anônimo disse...

Meu deus,que foto essa hein Valdir, o Barbosa foi 10, pena que foi muito injustiçado, deus o tenha...